Lia Testa*
Lia Testa: Além de vários prêmios/classificações em certames literários, de participações em antologias e publicações de poemas em artigos e jornais, você publicou dois livros de poesia Perto do fogo: trilogia do amor, da terra e da Esperança (2009) e Cantigas de Resistência (2003). Neste momento há alguma outra obra e/ou projeto em andamento?
Paulo Aires: Há quatro anos trabalho no projeto de um livro de poesia, com título provisório de “Oráculos de pedra e sonho”, que pretendo concluir este ano. E também venho tecendo um livro de dez contos, que tenho chamado de “Bicho Noturno”, este é um projeto mais lento, sem prazo de conclusão.
No seu livro “Cantigas de Resistência” você fala muito de comunhão a começar pela epígrafe escolhida para a abertura da obra, que é do escritor Eduardo Galeano (escritor uruguaio), o que significa este termo/palavra para você e para a sua obra? Além disso, sei que é um leitor/apreciador de Juan Gelman, que também aparece no livro na fala do Pedro Tierra, parece que você tem uma proximidade com a literatura sul-americana?
Culturalmente, cresci num Brasil que dava as costas, e ainda ignora, à realidade e à riquíssima cultura dos países irmãos. Quando descobri a literatura latino-americana, fiquei deslumbrado. Pude ver aí o quanto há de beleza e conteúdo, de destino comum, em todo este continente. Percebi, então, que cultivamos, mesmo involuntariamente, uma profunda e contundente comunhão de sonhos e dramas expressos na poesia e na prosa. Neste território, dividimos as mesmas utopias e as mesmas chagas – somos irmãos de sina e de sonho, isso é inarredável. Autores como Vallejo, Gelman, Benedetti, Neruda, Thiago de Melo, Pedro Tierra e tantos outros partilham desse mesmo ideal, dessa mesma voz, uma literatura que não se exile da condição humana. Creio nisso. Aposto nisso. Aí reside o âmago da comunhão a que me refiro no livro Cantigas de Resistência e fora dele também, latinoamericanamente falando.
Parece-me que a sua ligação com a música é bem forte, pois dá o nome de cantigas ao seu primeiro livro de poesia e depois intitula o segundo de Perto do fogo, referência a música Perto do Fogo, do álbum: Rita Lee & Roberto De Carvalho (1990). Como a música está presente na sua produção poética?
Considero um milagre da invenção humana: com poucas notas musicais se criar maravilhas sonoras, unindo ou não voz e melodia instrumental. Da mesma forma que, com 26 letras, no caso do alfabeto português, se inventar obras – prosa e poesia – irretocáveis. Aprecio o universo musical. Considero que a poesia e música são irmãs indissociáveis. A cadência, a sonoridade, o ritmo de um verso, de um poema, são recursos importantes para ampliar a beleza da palavra escrita. Mas em tudo isso tem que haver o encanto e o arrebatamento da inventividade/originalidade e da metáfora, sendo esta o maior charme, a mais expressiva sedução da poesia e da prosa.
O poeta e crítico Augusto de Campos, declara que Poesia é risco. Este “risco” do qual nos fala Campos, ao meu ver, na sua produção está muito ligado à questão da escrita como resistência, que é a própria lida poética e seu fazer. Como é sua luta com o próprio processo da escrita?
Meu risco-desafio é, a meu modo, a obsessão que tenho por fugir do campo comum, por laçar o adjetivo, a imagem dos sonhos para um determinado verso, um determinado poema ou texto em prosa; e criar algo que posso comover e provocar uma reflexão em quem, por ventura, possa ler meus escritos. Isso funciona como uma espécie de misto de angústia criativa com desesperada paixão. O melhor verso será sempre o próximo, o próximo, o próximo... É como o que diz uma assertiva do poeta Pedro Tierra: nunca escrever um verso sem o qual eu possa viver; ou como quis Ernesto Sábato: não escrever nada que não seja sobre a obsessão que te persegue.
O fogo, na sua obra Perto do Fogo: trilogia do Amor, da Terra e da Esperança, poderia simbolizar, ou então, ser uma metáfora para poesia. Será que o poeta é o próprio “fósforo insone à beira do abismo”? Uma fênix sempre Re.nascida? Incêndio? Pão e beleza?
A simbologia do fogo diz muito acerca desse ofício. Primeiro porque ou você se queima nessa viagem ou se torna letra fria – não provoca e nem encanta. Mas, claro, sem a pretensão de poder tudo, além do poder de se jogar, de se arriscar nessa bela e digna tarefa de dialogar com o outro, com o mundo e seus dramas e suas fagulhas de esperança. Neste sentido, considero que o poeta atento a seu tempo e à condição humana, assume essa configuração de quem se arrisca nos segredos do fogo, na comunhão com a aventura humana, para além das cinzas, sempre.
Se você traz o “canto” que é voz, aquela que se faz presente mesmo na escrita ou está em suas camadas, você também nos traz as suas mãos (manu = mãos e scriptus = escrever) enquanto documento do seu processo de criação e/ou metáfora dos instrumentos do poeta. Temos assim em sua obra camadas e camadas de vozes, os manuscritos e a tinta como fisicalidade/materialidade da sua produção poética. Fale um pouco sobre este processo e/ou como você concebe estas camadas.
Tenho fascínio sobre as vivências humanas, sobre a humana voz; também nutro visceral sintonia com os elementos da natureza, uma espécie de mística com a beleza, a sabedoria e os enigmas da natureza que transborda em meus olhos, desde eu menino. O destino e o silêncio das pedras, a singularidade de uma árvore, o dialeto dos animais todos. A vida das pessoas, o ser humano individual e coletivo. O anonimato de muitas vidas. Os bêbados e os loucos. Então, como me porto diante desse espelho multifacetado, plural, que fustiga, comove e dilata os meus olhos de poeta? Assim, tento entender, decifrar, retratar esse amálgama de percepções e sensações frente ao humano e ao mundo que me cerca. Este é o material do meu ofício de poeta e escritor; e o permanente combate com a palavra escrita. Acho belíssima, charmosa, inesgotável, nossa língua – uma noiva que nunca se entrega por inteira. É um imenso desafio, um exercício cotidiano, sem ponto de parada. Isso me provoca a não estar só no mundo e me ajuda a viver, viver com o mundo e com os outros, na contradição e na comunhão que não se esgotam em si.
*Poeta, Artista, Escritora e Professora do Colegiado de Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT) – Campus de Araguaína
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