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terça-feira, 28 de agosto de 2018

Cristãos de diversas igrejas defendem a atuação pastoral em diversas situações

28.08.2018

Antonio Carlos Ribeiro

O clima de expressões fascistas que assola o país e o continente desde as manifestações (2013) e os efeitos do golpe midiático-parlamentar-judicial-empresarial (2016), finalmente chega às comunidades religiosas. O discurso de ódio é criado e disseminado por entidades internacionais mantidas por empresas milionárias e com aval do país mais rico e endividado. As reações de estruturas governamentais, organismos multilaterais e mundiais, e de lideranças pastorais, intelectuais, políticas e do mundo jurídico saem em defesa da ‘voz do que clama no deserto’ (Jo 1,23), que exige coragem para agir e para sustentar o gesto.

Neste caso, trata-se de uma visita pastoral e de amizade do Pastor Inácio Lemke ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que tem recebido líderes de diversas religiões e é um prisioneiro político e perseguido – segundo as Comissões de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU). A outra foi a participação da Pastora Lusmarina Garcia na audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acerca da proposta da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, representando o Instituto de Estudos da Religião (ISER).

A surpresa é que a visita de um pastor a um ex-presidente, de quem é amigo há 30 anos, que ficou feliz de reencontrar e pediu sua oração na saída, bem como a pastora que apresentou reflexão profunda sobre o drama vivido pelas mulheres em relação a seu próprio corpo, com exigências morais e agressões simbólicas, como um boneco de plástico em forma de feto no altar, como se o discurso travestido de sacrossanto escondesse o ódio e o desprezo pelas mulheres negras, descendentes da escravidão e as doenças resultantes: desigualdade, humilhação,  prazer sádico, a violência contra os mais frágeis, o esquecimento e o abandono dos pobres, a maior parte da população, desse país patologicamente doente.

Em ambientes saudáveis, o pastor e a pastora receberiam da comunidade e das lideranças a solidariedade pela coragem na defesa do Evangelho, em situações extremas, por gestos e palavras, em nome de uma sociedade já cansada do massacrante discurso de ódio, retomando a postura dos escravos açoitados em sua curta vida de cerca de sete anos. Parece que nos esquecemos que o Brasil foi o último país a usar essa degradante exploração do trabalho humano. E que ela acabou há apenas 130 anos. Mas o povo que aprendeu a resistir ao fascismo, não se submeterá mais.

Abaixo o manifesto de apoio e solidariedade a Inácio e Lusmarina, animando-os com as palavras de Lutero:
Theologia crucis dicit id quod res est (A teologia da cruz diz as coisas como são).

Segue a íntegra do documento:

Evangelho e responsabilidade: Lusmarina Campos Garcia e Inácio Lemke

Christians from various churches advocate pastoral work in various situations

28.08.2018

Antonio Carlos Ribeiro

The climate of fascist expressions that plagues the country and the continent since the manifestations (2013) and the effects of the media-parliamentary-judicial-business coup (2016) finally reaches religious communities. The hate speech is created and disseminated by international entities maintained by millionaire companies and endorsed by the richest and most indebted country. Reactions of government structures, multilateral and global agencies, and pastoral, intellectual, political, and legal world leaders stand in defense of the 'voice of the crying in the wilderness' (Jn 1:23), which requires courage to act and to sustain the gesture.

In this case, it is a pastoral visit and friendship of Pastor Inácio Lemke to former President Luiz Inácio Lula da Silva - who has received leaders from various religions and is a political prisoner and persecuted - according to the Organization's Human Rights Commissions the American States (OAS) and the United Nations (UN). The other was the participation of Pastor Lusmarina Garcia in the public hearing promoted by the Federal Supreme Court (STF), about the proposal of decriminalization of abortion until the 12th week of gestation, representing the Institute of Studies of Religion (ISER).

The surprise is that the visit of Pastor Lemke to a former president, who has been a friend for 30 years, and who was happy to see him again and also asked for his prayer at the exit, as well as the presentation of Pastor Lusmarina, who presented profound reflection on the drama experienced by women in relation to their own bodies with moral demands and symbolic aggressions, like a plastic figurine in the shape of a fetus on the altar, as if the sacrosanct transvestite speech concealed hatred and contempt for the black women, descended from slavery and the resulting diseases: inequality, humiliation, sadistic pleasure, violence against the most fragile, oblivion and abandonment of the poor, the majority of the population, of this pathologically sick country.

In healthy environments, these pastors would receive solidarity from the community and from the leaders for courage in the defense of the Gospel, in extreme situations, by gestures and words, in the name of a society already tired of the massacring hate speech, returning to the attitude of the flogged slaves in their short life span of about seven years. It seems that we have forgotten that Brazil was the last country to use this degrading exploitation of human labor. And that it ended only 130 years ago. But people who have learned to resist fascism will not submit to it anymore.

Below the manifesto of support and solidarity to Pastor Inácio and Pastor Lusmarina, animating them with the words of Luther:
Theologia crucis dicit id quod res est (The theology of the cross says things as they are).

Read the full text of the document:


Cristianos de diversas iglesias defienden la actuación pastoral en diversas situaciones

28.08.2018

Antonio Carlos Ribeiro

El clima de expresiones fascistas que asolan el país y el continente desde las manifestaciones (2013) y los efectos del golpe mediático-parlamentario-judicial-empresarial (2016), finalmente llega a las comunidades religiosas. El discurso de odio es creado y diseminado por entidades internacionales mantenidas por empresas millonarias y con aval del país más rico y endeudado. Las reacciones de estructuras gubernamentales, organismos multilaterales y mundiales, y de liderazgos pastorales, intelectuales, políticas y del mundo jurídico salen en defensa de la ‘voz de lo que clama en el desierto’ (Jn 1,23), que exige coraje para actuar y sostener el gesto.

En este caso, se trata de una visita pastoral y de amistad del Pastor Inácio Lemke al ex presidente Luiz Inacio Lula da Silva - que ha recibido líderes de diversas religiones y es un prisionero político y perseguido - según las Comisiones de Derechos Humanos de la Organización de los Estados Americanos (OEA) y de la Organización de las Naciones Unidas (ONU). La otra fue la participación de la Pastora Lusmarina García en la audiencia pública promovida por el Supremo Tribunal Federal (STF), acerca de la propuesta de la despenalización del aborto hasta la 12ª semana de gestación, representando al Instituto de Estudios de la Religión (ISER).

La sorpresa es que la visita de un pastor a un ex presidente, de quien es amigo hace 30 años, que se alegró de reencontrarse y pidió su oración en la salida, así como la pastora que presentó una reflexión profunda sobre el drama vivido por las mujeres en relación con su propio cuerpo, con exigencias morales y agresiones simbólicas, como un muñeco de plástico en forma de feto en el altar, como si el discurso travestido de sacrosanto ocultara el odio y el desprecio por las mujeres negras, descendientes de la esclavitud y las enfermedades resultantes: la desigualdad, la humillación, el placer sádico, la violencia contra los más frágiles, el olvido y el abandono de los pobres, la mayor parte de la población, de ese país patológicamente enfermo.

En ambientes saludables, el pastor y la pastora recibirían de la comunidad y de los líderes la solidaridad por el coraje en la defensa del Evangelio, en situaciones extremas, por gestos y palabras, en nombre de una sociedad ya cansada del masacrante discurso de odio, retomando la postura de los esclavos azotados en su corta vida de cerca de siete años. Parece que nos olvidamos que Brasil fue el último país en usar esa degradante explotación del trabajo humano. Y que acabó hace sólo 130 años. Pero el pueblo que ha aprendido a resistir al fascismo, no se someterá más.

Abajo el manifiesto de apoyo y solidaridad a Inácio y Lusmarina, animándolos con las palabras de Lutero:
Theologia crucis dicit id quod res est (La teología de la cruz dice las cosas como son).

Sigue la íntegra del documento:

Evangelio y responsabilidad - Lusmarina Campos Garcia e Inacio Lemke






sexta-feira, 11 de maio de 2018

Documento da CIA sobre Geisel é perturbador

10.05.2018
 
Marcelo Rubens Paiva

Gal. Ernesto Geisel passa em revista as tropas (Foto: Arquivo)

Geisel entrou para a História como o ditador que controlou os excessos da “tigrada”.

Depois da morte sob tortura nos porões do Exército (DOI-Codi) do diretor de jornalismo da TV Cultura, Wladimir Herzog, em 1975, e do operário Manuel Fiel Filho, em 1976, Geisel exonerou o general Ednardo D’Ávila Mello, comandante do II Exército.

Mais tarde, demitiu o general de linha-dura, Sylvio Frota, anunciou a política da Abertura, retirou os censores dos jornais e extinguiu o AI-5.

No entanto, o pesquisador brasileiro da FGV, Matias Spektor, encontrou um documento da CIA que contesta a imagem de bom pastor do ex-presidente.

É a primeira vez que aparece um documento que associa os nomes de Geisel e do general João Figueiredo em comandos de execução de presos políticos (“subversivos”).

O memorando de 11 de abril de 1974 que William Egan Colby (diretor da CIA entre 1973 e 1976) enviou ao Secretário de Estado, Henry Kissinger, tem um título nada sutil:

“Presidente brasileiro Ernesto Geisel decide continuar execução sumária de subversivos sob certas circunstâncias”.

Num texto curto de seis parágrafos, alguns deles ainda “not desclassified” (não liberados), o diretor relata que, em 30 de março de 1974, Geisel se reuniu com os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, do Centro de Inteligência do Exército (CIE), e o general João Baptista Figueiredo, do Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

Exatos 15 dias depois de tomar posse (15 de março de 1974).

Ouviu que o Brasil não poderia ignorar a “ameaça subversiva terrorista”.

O general Milton Tavares contou que métodos ilegais foram empregados contra “subversivos perigosos”, e que 104 pessoas foram sumariamente executadas pelo CIE nos últimos anos, diz a CIA.

Figueiredo apoiou a continuidade desse tipo de combate à subversão.

Segundo relatório da CIA, “em 1 de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que cuidados deveriam ser tomados para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados.”

No décimo aniversário do Golpe de 64.

“O presidente e o general Figueiredo concordaram que, quando a CIE prender uma pessoa que possa ser enquadrada nessa categoria, o chefe da CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O presidente e o general Figueiredo também concordaram que a CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral da CIE será coordenado pelo general Figueiredo”, finaliza o memorando.

Pode-se então deduzir que o afastamento do general Ednardo foi por insubordinação; não pedira autorização para matar.

E que os combatentes da Guerrilha do Araguaia foram executados com aprovação do Planalto.

Assim como três dirigentes do PCdoB, Pedro de Araújo Pomar, Angelo Arroyo e João Batista Franco Drummond, executados na Lapa em dezembro de 1976.

A não ser que a demissão de Sylvio Frota em 1977 tenha relação a estas outras insubordinações.

Spektor escreveu na sua página do Twitter: “Este é o documento mais perturbador que já li em 20 anos de pesquisa: Recém-empossado, Geisel autoriza a continuação da política de assassinatos do regime, mas exige ao Centro de Informações do Exército a autorização prévia do próprio Palácio do Planalto.”

Fonte: https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99?platform=hootsuite

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Consulta Eleitoral para diretor do Campus - UFT-Araguaína 2016

A consulta eleitoral promovida pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus de Araguaína, realizada na 6ª feira, dia 10 de junho de 2016, causando uma corrida às informações por parte de professores, alunos e técnicos administrativos, pode agora tornar público todo o processo. Acesse aqui os cinco documentos resultantes desse processo.


sexta-feira, 18 de março de 2016

Carta de Guimarães Rosa conta os segredos de Sagarana

A obra Sagarana, de João Guimarães Rosa completa em 2016, 70 anos, sendo um de seus grandes clássicos.



O Portal Vermelho, traz em seu caderno Prosa, Poesia e Arte matérias, fragmentos e documentos em homenagem ao escritor.

Confira então, uma carta envida por Guimarães Rosa ao amigo e também autor João Condé, onde faz relatos inéditos sobre Sagarana.

Prezado João Condé,

Exigiu você que eu escrevesse, manu propria, nos espaços brancos deste seu exemplar de Sagarana, uma explicação, uma confissão, uma conversa, a mais extensa, possível — o imposto João Condé para escritores, enfim. Ora, nem o assunto é simples, nem sei eu bem o que contar. Mirrado pé de couve, seja, o livro fica sendo, no chão do seu autor, uma árvore velha, capaz de transviá-lo e de o fazer andar errado, se tenta alcançar-lhe os fios extremos, no labirinto das raízes. Graças a Deus, tudo é mistério.

Algo, porém, tem de ser dito. Ao autor o que é do autor, mas a João Condé o que é de João Condé.

Assim, pois, em 1937 — um dia, outro dia, outro dia... — quando chegou a hora de o Sagarana ter de ser escrito, pensei muito. Num barquinho, que viria descendo o rio e passaria ao alcance das minhas mãos, eu ia poder colocar o que quisesse. Principalmente, nele poderia embarcar, inteira, no momento, a minha concepção-do-mundo.

Tinha de pensar, igualmente, na palavra “arte”, em tudo o que ela para mim representava, como corpo e como alma; como um daqueles variados caminhos que levam do temporal ao eterno, principalmente.

Já pressentira que o livro, não podendo ser de poemas, teria de ser de novelas. E — sendo meu — uma série de Histórias adultas da Carochinha, portanto.

Rezei, de verdade, para que pudesse esquecer-me, por completo, de que algum dia já tivessem existido septos, limitações, tabiques, preconceitos, a respeito de normas, modas, tendências, escolas literárias, doutrinas, conceitos, atualidades e tradições — no tempo e no espaço. Isso, porque: na panela do pobre, tudo é tempero. E, conforme aquele sábio salmão grego de André Maurois: um rio sem margens é o ideal do peixe. 

Aí, experimentei o meu estilo, como é que estaria. Me agradou. De certo que eu amava a língua. Apenas, não a amo como a mãe severa, mas como a bela amante e companheira. O que eu gostaria de poder fazer (não o que fiz, João Condé!) seria aplicar, no caso, a minha interpretação de uns versos de Paul Éluard: ...“o peixe avança nágua, como um dedo numa luva”... Um ideal: precisão, micromilimétrica.

E riqueza, oh! riqueza... Pelo menos, impiedoso, horror ao lugar-comum; que as chapas são pedaços de carne corrompida, são pecados contra o Espírito Santo, são taperas no território do idioma.

Mas, ainda haveria mais, se possível (sonhar é fácil, João Condé, realizar é que são elas...): além dos estados líquidos e sólidos, por que não tentar trabalhar a língua também em estado gasoso?!

Àquela altura, porém, eu tinha de escolher o terreno onde localizar as minhas histórias. Podia ser Barbacena, Belo Horizonte, o Rio, a China, o arquipélago de Neo-Baratária, o espaço astral, ou, mesmo, o pedaço de Minas Gerais que era mais meu. E foi o que preferi. Porque tinha muitas saudades de lá. Porque conhecia um pouco melhor a terra, a gente, bichos, árvores.

Porque o povo do interior — sem convenções, “poses” — dá melhores personagens de parábolas: lá se veem bem as reações humanas e a ação do destino: lá se vê bem um rio cair na cachoeira ou contornar a montanha, e as grandes árvores estalarem sob o raio, e cada talo do capim humano rebrotar com a chuva ou se estorricar com a seca.

Bem, resumindo: ficou resolvido que o livro se passaria no interior de Minas Gerais. E compor-se-ia de 12 novelas. Aqui, caro Condé, findava a fase de premeditação. Restava agir.

Então, passei horas de dias, fechado no quarto, cantando cantigas sertanejas, dialogando com vaqueiros de velha lembrança, “revendo” paisagens da minha terra, e aboiando para um gado imenso. Quando a máquina esteve pronta, parti. Lembro-me de que foi num domingo, de manhã.

O livro foi escrito — quase todo na cama, a lápis, em cadernos de 100 folhas — em sete meses; sete meses de exaltação, de deslumbramento.

(Depois, repousou durante sete anos; e, em 1945, foi “retrabalhado”, em cinco meses, cinco meses de reflexão e de lucidez).

Lá por novembro, contratei com uma datilógrafa a passagem a limpo. E, a 31 de dezembro de 1937, entreguei o original, às 5 e meia da tarde, na Livraria José Olympio. O título escolhido era “Sezão”; mas, para melhor resguardar o anonimato, pespeguei no cartapácio, à última hora, este rótulo simples: “Contos” (título provisório, a ser substituído) por Viator. Porque eu ia ter de começar longas viagens, logo após.

Como já disse, as histórias eram doze: 

I) — O burrinho pedrês — Peça não profana, mas sugerida por um acontecimento real, passado em minha terra, há muitos anos: o afogamento de um grupo de vaqueiros, num córrego cheio.

II) — A volta do marido pródigo — A menos “pensada” das novelas do Sagarana, a única que foi pensada velozmente, na ponta do lápis. Também, quase não foi manipulada, em 1945.

III) — Duelo — Aqui, tudo aconteceu ao contrário do que ficou dito para a anterior: a história foi meditada e “vivida”, durante um mês, para ser escrita em uma semana, aproximadamente. Contudo, também quase não sofreu retoques em 1945.

IV) — Sarapalha — Desta, da história desta história, pouco me lembro. No livro, será ela, talvez, a de que menos gosto.

V) — Questões de família — História fraca, sincera demais, meio autobiográfica, malrealizada. Foi expelida do livro e definitivamente destruída.

VI) — (Uma história de amor — Um belo tema, que não consegui desenvolver razoavelmente. Teve o mesmo destino da novela anterior).

VII) — Minha gente — Por causa de uma gripe, talvez, foi escrita molemente, com uma pachorra e um descansado de espírito, que o autor não poderia ter, ao escrever as demais.

VIII) — Conversa de bois — Aqui, houve fenômeno interessante, o único caso, neste livro, de mediunismo puro. Eu planejara escrever um conto de carro-de-bois com o carro, os bois, o guia e o carreiro. Penosamente, urdi o enredo, e, um sábado, fui dormir, contente, disposto a pôr em caderno, no domingo, a história (n. 1). Mas, no domingo caiu-me do ou no crânio, prontinha, espécie de Minerva, outra história (n. 2) — também com carro, bois, carreiro e guia — totalmente diferente da da véspera. Não hesitei: escrevi-a, logo, e me esqueci da outra, da anterior. Em 1945, sofreu grandes retoques, mas nada recebeu da versão pré-histórica, que fora definitivamente sacrificada.

IX) — Bicho mau — Deixou de figurar no Sagarana, porque não tem parentesco profundo com as nove histórias deste, com as quais se amadrinhara, apenas, por pertencer à mesma época e à mesma zona. Seu sentido é outro. Ficou guardada para outro livro de novelas, já concebido, e que, daqui a alguns anos, talvez seja escrito.

X) — Corpo fechado — Talvez seja a minha predileta. Manuel Fulô foi o personagem que mais conviveu “Humanamente” comigo, e cheguei a desconfiar de que ele pudesse ter uma qualquer espécie de existência. Assim, viveu ele para mim mais umas 3 ou 4 histórias, que não aproveitei no papel, porque não tinham valor de parábolas, não “transcendiam”.

XI) — São Marcos — Demorada para escrever, pois exigia grandes esforços de memória, para a reconstituição de paisagens já muito afundadas. Foi a peça mais trabalhada do livro.

XII) — A hora e vez de Augusto Matraga — História mais séria, de certo modo síntese e chave de todas as outras, não falarei sobre o seu conteúdo. Quanto à forma, representa para mim vitória íntima, pois, desde o começo do livro, o seu estilo era o que eu procurava descobrir.

Por ora, Condé, aqui está o que eu pude relembrar, acerca do Sagarana. Se você quiser, eu poderei contar, mais tarde —, num exemplar da 2ª edição — algumas passagens históricas, ocorridas entre o dia 31 de dezembro de 1937 e a data em que o livro foi entregue à Editora Universal. Serve?

Com o cordial abraço do
Guimarães Rosa

 Fonte: Portal Vermelho

domingo, 31 de agosto de 2014

Documento: Telegrama de Cora Coralina a Carlos Drummond de Andrade


A escritora Cora Coralina teria completado 125 anos em 20 de agosto.

O Arquivo Museu de Literatura Brasileira (AMLB), da Casa de Rui Barbosa,

possui em seu acervo este telegrama que Cora enviou a Carlos Drummond de Andrade.