sexta-feira, 17 de abril de 2015

I Seminário de Literatura Tocantinense II: Da literatura à recomposição histórica do ciclo do cristal de rocha

Antonio Carlos Ribeiro*

A conferência da professora Ana Elisete Motter foi uma ajuda fundamental para compreender o papel da literatura tocantinense na recomposição do período histórico do ciclo de extração do cristal de rocha nesta região do país. Há duas ou três décadas atrás essa abordagem poderia ser considerada outsider, de alguém de fora desta área de pesquisa), mas nesse caso foi vista como uma abordagem valiosíssima, por duas razões: mostrar como as obras de prosa e ficção, e a oralidade, são importantes fontes para a recomposição histórica, e por se basear em autores e textos nem sempre conhecidos e lidos pelas novas gerações de literatos.

Ana Motter, que investiga o ciclo de extração do cristal de rocha nesta região

Para a pesquisadora, a ficção é rica como imaginário da história, já que na investigação se descobre os papeis dos sujeitos da época, suas ações, seus ditos e até mesmo as marcas da decadência após o período áureo da extração do mineral, registradas na prosa. Como memórias nunca são individuais, ela acentua, é possível ver que partem de experiências compartilhadas, já que o pessoal e o coletivo estão imbricados. As fontes orais, homens e mulheres que ‘carregam’ por vezes no próprio corpo o registro do tempo, como observou Michel Foucault, e por serem sujeitos sociais, integrantes de uma memória coletiva significativa, com seus depoimentos e detalhes, sempre ausentes em registros e relatórios.

A pesquisadora analisa três obras de Juarez Moreira Filho, um dos autores que estuda em seu projeto de pesquisa Cidades Garimpeiras do Antigo Norte de Goiás (1940-1960). A primeira, Oco do Mundo – é intitulada com a expressão que aponta para afastamento, distanciamento e isolamento – de resto bastante expressiva da importância política e social da região norte do Estado de Goiás, à época. E a segunda é Tipos de Rua. 

A obra Rancho Alegre  parece ser seu cenário literário da década de 1960, sobre a qual escreve nas décadas de 80 e 90, a partir das memórias da infância, destaca a historiadora. “O momento das obras literárias é significativo por causa do aspecto de reminiscências”, que a pesquisadora explica como a crise do garimpo na década de 60, causando sofrimento, saudosismo, dor e vivências. A estética da região integra esse quadro memorial com as “varandas, redes, casas nas encostas das serras”.

As cidades da região estão entre as que mais sofreram, como Chiqueirão, depois chamada de Xambioá, e Araguanã. Quem viveu essa época e depois escreveu a respeito, as descreve como ‘morrendo aos poucos’, ‘se acabando’, ‘encolhendo a teia de homens que escarafunchava no chão’. Essa gente testemunha o garimpo como uma ‘loteria’, na qual quando um ganhava e enriquecia, muitos perdiam e empobreciam. As potências ocidentais que o compraram à época, logo desenvolveram a tecnologia do cristal líquido.

Ao lado desse caos econômico para as famílias que dependiam do garimpo, há os efeitos morais e sociais da derrocada social, como jogo, vício e desespero, por ver o cristal valer cada vez menos no mercado. Cabarés de ponta de rua, como testemunhado por Moreira Filho. Até o registro de expressões como ‘senão o 44 come na cara’, ou ‘torrar um tiro’, ou ainda ‘mergulhar o punhal no peito dum’. Agregue-se a esse caos social, o fato de que os policiais que eram enviados para essa região eram os que criavam problemas nos arredores da capital de Goiás.

O restante do relato dá conta de que ‘tudo no garimpo era caríssimo. Tudo o que se ganhava, se perdia’, destaca a pesquisadora.  A noção de tempo é uma perspectiva contemplativa, nutrida especialmente de ócio, já que muitos não têm o que fazer. O assunto principal também é repetitivo: as pescarias sem fim! Nesse ambiente a memória funciona como uma atualização do passado, uma espécie de contrato social e coletivo. E a prosa se torna uma fonte de conhecimento histórico.

Após a apresentação da conferência da historiadora, baseada nas narrativas literárias dos que viveram esse período sombrio, especialmente o fim melancólico do ciclo da extração de cristal, faz sentido a explicação de que as  ‘memórias nunca são individuais’. A plateia, composta de estudantes de letras e literatura mostraram-se alegres por ver que textos literários podem servir à pesquisa histórica desta região.

*Pós-doutorando em Letras (UFT/PPGL/CAPES) e Editor do Blog do Observatório de Leitura

Nenhum comentário: