sexta-feira, 17 de abril de 2015

I Seminário de Literatura Tocantinense I: Do predomínio da tela à sociedade pós-literária

Antonio Carlos Ribeiro

A substituição da leitura da Enciclopédia Barsa pela consulta ao Google, da preleção usando papel impresso ou sua leitura pelo tablet e das anotações com caneta num caderninho de bolso à digitação no celular não são apenas modismos ou novidades da atualidade, afirmou o Professor Rildo Cosson, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na verdade, trata-se de uma forma de codificar visualmente as informações numa tela digital e uma nova forma de escrita que impõe uma sequência mais ágil ao raciocínio, após os aprimoramentos das últimas décadas usando o hipertexto.

O pesquisador da Leitura Rildo Cosson, da UFMG

Isso não significa que o texto vai acabar, nem que o pensamento, a criatividade, a poesia ou a prosa vão sofrer transformações de conteúdo, mas que atravessarão um conjunto de mudanças que determinam sua obsolescência tecnológica. Esse fenômeno vivido cada vez mais intensamente pelas novas gerações de literatos tem como marcas a convergência e a traduzibilidade, pelas quais praticamente nada mais é original, mas bastante semelhante, por causa de sua reprodutibilidade em cadeia, as facilidades de formatação digital e novas traduções nos sistemas multimídia.

A formação do leitor multiplicou o espectro de possibilidades com os traços da especificidade de cada mídia. O conhecimento segue fundamentalmente associado ao conteúdo expresso em linguagens, mas não necessariamente à escrita, já que parte significativa da percepção se dá a partir de diferentes telas. Isso o faz indagar: qual o lugar da leitura e da literatura na sociedade atual? Em seguida, assusta ou ouvintes ao afirmar: quem só lê o texto escrito não é mais leitor hoje, mas os que leem em diferentes interfaces.

O que vai caracterizar os leitores da atualidade é o domínio do código, pelo qual será capaz de entender em diferentes linguagens, identificar o sentido do texto, que é o conteúdo expresso em qualquer mídia, que o capacitará a situar o texto socialmente, relacionando-o imediatamente com o ambiente cultural em que vive, e processar criticamente seu conteúdo, ajudando-o a decidir como usá-lo no processo de intervenção na realidade.

Esse conjunto de leitura da realidade se impõe, já que ler é ir muito além do código, disse o pesquisador. ‘Quem só decifra o código escrito é um analfabeto, em algum nível’, afirmou. Ler é saber lidar com o código que se tornou obsoleto, fazer uma convergência de imagens e compreensões de sentido e se desenvolver para ler a tela com a mesma habilidade com que lê a escrita, se capacitando para dialogar com vários textos em vários níveis, insistiu. Ler não é técnica mas competência, por isso essa habilidade vai continuar se aprimorando, enquanto a escrita formal vai ficar obsoleta com o correr do tempo.

Dessa compreensão decorre que ler é da área do humano, o que implica que a literatura sofre uma mudança na conceituação, deixando de ser a palavra escrita e se tornando a linguagem - a palavra encantada e dobrada em si mesma – o que a impede de ser concebida exclusivamente em texto, situação que a condenaria à marginalidade na cultura, na forma que se apresenta neste momento e nos avanços que fará no futuro.

O leitor aprenderá também a perceber os complementos do enredo literário, ao ser capaz de ler o texto, o contexto e o intertexto. Até porque não há leitor literário que não crie o universo em que está lendo. É do conjunto dessa percepção que o leitor se sentirá em condições de ler, compreender e absorver a obra literária, na relação com o mundo em que vive.

A necessidade de interação com a realidade pela leitura é o modo pelo qual ‘ela nos dá palavras que não sabemos como dizer e ao mesmo tempo nos ajuda a dizer o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos’, concluiu.

*Pós-doutorando em Letras (UFT/PPGL/CAPES) e Editor do Blog do Observatório de Leitura

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