domingo, 4 de julho de 2021

Pobreza como cor da pele

            Cristãos publicam manifesto contra o presidente Bolsonaro do Brasil                     


Em agosto do ano passado, 130 cristãos no Brasil escreveram um manifesto que agora também está disponível em alemão. Denuncia a política governamental do presidente Jair Messias Bolsonaro. Zeitzeichen conversou com Hans Alfred Trein, pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil     ::


Zeitzeichen - Pastor Trein, o que o fez decidir formular um manifesto sobre a situação social e política no Brasil e divulgá-lo ao público?

Hans Alfred Trein - Devido à nossa confissão da Reforma Luterana, temos a convicção de que temos que vincular nossa fé ao dia-a-dia de nossa vida. Desde que o atual governo do Brasil sob o presidente Bolsonaro assumiu a gestão do país, há dois anos, a situação no país foi se deteriorando sempre mais: necropolítica é o nome adequado. Muitas das promessas iniciais não foram cumpridas, e ele escolheu a mentira como método político, seguindo seu exemplo, Donald Trump.


A que você está se referindo?

Bolsonaro - como Trump - puxou as elites financeiras para seu barco com um discurso neoliberal: privatização, reforma trabalhista, reforma previdenciária... sempre em detrimento das classes mais pobres. Ele também prometeu acabar com o nepotismo. A cada dia fica mais claro que ele apoia principalmente sua família e amigos, se cerca de milícias e descreve seus críticos como inimigos ou comunistas.


Quais são suas principais críticas ao Governo Federal?

Segundo Bolsonaro, o Brasil tem uma intensiva política de proteção florestal. No entanto, os dados acessíveis internacionalmente mostram o contrário. Os incêndios e o desmatamento ilegal aumentaram drasticamente, desde 2019. Instâncias de controle e até órgãos governamentais de proteção florestal estão sendo desmontados. Em junho de 2019, ele extinguiu o Conselho do Fundo Amazônia. Como resultado, a Alemanha e a Noruega retiraram suas doações. Agora, na recente cúpula virtual do clima, ele pediu dinheiro para retomar a proteção da floresta tropical, mas no dia seguinte, mais de 36 milhões de euros foram cortados do Ministério do Meio Ambiente. Durante a estação seca, ocorreram grandes incêndios na área de subsidência do Pantanal. O governo culpa as ONGs por isso - uma mentira. Recentemente, 200.000 metros cúbicos de madeira foram roubados ilegalmente da floresta tropical. A imprensa denuncia e nada acontece. Existem agora mais de cem processos de impeachment no Parlamento e nada acontece. É insuportável.


Existem outros pontos de crítica?

Outro assunto é o nosso novo regime militar, que se instalou mesmo sem golpe. Milhares de militares estão agora em cargos no governo federal, a maioria dos quais ainda está ativa no exército. O que acontecerá no próximo ano se a oposição vencer as eleições? Esses militares voltarão para o quartel? O presidente também quer garantir que as pessoas possam manter até seis armas de fogo em casa e os colecionadores até sessenta. Dá a impressão que algo está sendo preparado.


No manifesto você também fala sobre o Brasil sendo colocado à venda.

A privatização de nossas empresas estatais de petróleo e eletricidade está ocorrendo a portas fechadas. O Banco Central também está sendo aberto à especulação financeira internacional. Nenhuma outra nação faz isso. Terras são colocadas à venda a investidores. Grandes empresas compram madeira e minerais; no futuro, ouro só deverá ser garimpado por grandes empresas estrangeiras. Resumindo: é uma grande liquidação.


O que você entende por genocídio da população local?

A maneira como Bolsonaro lida com a pandemia do coronavírus é catastrófica; inicialmente ele a chamou de “gripezinha”. Argumentou com a necessidade de manter a atividade econômica contra as demandas da saúde, para não restringir a disseminação. Ainda há meio ano, ele se manifestou contra as vacinas. A gente é induzido a pensar que uma espécie de darwinismo social está sendo implementado aqui. Isso significa: o governo presume que todos os habitantes se contaminarão com o vírus e, então, surgirá algo como a imunidade de rebanho. E aqueles que não são suficientemente fortes ou muito fracos, morrerão. Ele aceita isso como fatalidade irreversível, e isso explica as 395.000 mortes até o final de abril de 2021.


Em seu manifesto diz, que a religiosidade de Bolsonaro é apenas marketing.

Bolsonaro era originalmente católico, depois vinculou-se aos neo-pentecostais. Seu rebatismo no Jordão foi muito publicizado e explorado durante a campanha eleitoral; ele foi repetidamente retratado orando e ajoelhado. Mas, em todas as suas declarações não se ouve nada do Evangelho de amor e paz. Fala-se apenas de ódio e armamento. Mesmo assim, ele é politicamente apoiado por neopentecostais que atraem (a) população pobre com curas e uma teologia da prosperidade. Pelo que sustentam, qualquer pessoa pode pregar sem conhecimento ou estudo porque o Espírito Santo está soprando tudo. O discurso anticientífico de Bolsonaro é amplamente aceito justamente por muitas dessas pessoas de boa fé.

A Conferência dos Bispos Católicos do Brasil já havia divulgado um manifesto em abril de 2020. Como o seu foi recebido?

Ironicamente, teve uma resposta muito boa dos jesuítas da contra-reforma no século 16 e foi inicialmente colocado no site da Universidade Católica UNISINOS de São Leopoldo. Imprensa e jornalistas o publicaram em magazines e jornais brasileiros. Mas não houve nenhuma publicação da liderança de nossa igreja, nem da Federação Luterana Mundial ou do Conselho Mundial de Igrejas. Provavelmente porque não veio da igreja como instituição. Houve reações muito críticas à publicação universitária. Isso aponta para a divisão polarizada dentro da sociedade brasileira que perpassa a nossa Igreja Evangélica de Confissão Luterana. Recebemos feedback agressivo de membros da igreja ou associações como "Herdeiros de Worms".

Qual foi o conteúdo dessas declarações?

Exigem a separação entre religião e política; infelizmente, também existem ideologias de direita em nossa Igreja, até o ponto de se tornarem fascistas. Muitas pessoas não distinguem conceitualmente entre fé e ideologia e têm uma imagem autoritária da sociedade de acordo com o lema: um bom governo é um governo forte, autoritário, também com a participação de militares. Eles também rejeitam as discussões atuais, por exemplo, sobre igualdade das mulheres, a descriminalização do aborto ou o debate de gênero. Argumentam que a igreja deveria ficar em silêncio sobre isso e se basear em declarações bíblicas. Nenhuma distinção é feita entre a cultura bíblica de 2.000 anos atrás e a atual - muito menos são atualizadas as “Boas Novas”.


Então, há uma interpretação fundamentalista da Bíblia?


Sim, embora a interpretação e exegese histórico-crítica sejam ensinadas em nossas faculdades de teologia. O que nós teólogos aprendemos nos últimos cinquenta anos não chegou à base da Igreja. Além disso, muitos em nossa igreja se sentem atraídos pelos neo-pentecostais, porque eles oferecem cura, uma espiritualidade individualizada e teologia da prosperidade. Também existe uma atitude de discriminação racial em nossa sociedade. Aqui, a pobreza tem uma cor de pele. Parte da discriminação social em nosso país data da época da escravidão. Em contraste com a América do Norte, escravos libertos no Brasil não receberam condições para se estabelecer como “livres” – por exemplo, um pedaço de terra. Foram “libertados” da escravidão para o desemprego. Isso resultou num sentimento cultural e racista de superioridade e numa estrutura de pensamento que se baseia exclusivamente no mérito. O que no fundo não é verdade e também é incompatível com o ensino luterano. A maioria tende a ser contra quando a política promove a integração social. Quando meus ancestrais emigraram do Hunsrück (Renânia/Alemanha) em 1825, eles receberam terras. Bolsonaro, por seu turno, prometeu aos grandes proprietários de terras uma inconstitucionalidade: não demarcar um milímetro de terra aos povos indígenas e descendentes dos escravos.


O que você espera das eleições da próxima campanha?

Nossa democracia sofreu um grande golpe com a destituição da presidente Dilma Rousseff, em 2016. O judiciário e a mídia oficial - nas mãos de cinco famílias brasileiras – deram sua contribuição para isso. Nós, na Igreja, também nos equivocamos na avaliação de nossa sociedade. Em termos de progresso social, estabilidade das instituições democráticas e da educação, estamos muito mais atrasados do que pensávamos: falta muito para superar e reparar os efeitos de massacres de povos indígenas e da escravidão negra. Soma-se a isso a ausência de um juízo social e político sobre a ditadura militar (1964-1985), uma sombra política permanente nos bastidores de nossa história.

Sinal do Tempo - 22º ano - junho de 2021  -   Zeitzeichen - 22. Jahrgang Juni 2021 € 7,20 8424

2 comentários:

transcenderapalavra disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
transcenderapalavra disse...

Até hoje o Brasil do despresidente Bolsonaro, por total falta de responsabilidade e respeito pela vida humana, já matou 524.417 brasileiros! O Brasil lamenta a perda que poderia ser de cerca de 120 mil pela simples falta de caráter!