Bolívar Torres
A mesma tecnologia que permite a jogadores caçarem criaturas virtuais pela cidade pode ser a solução para dinamizar um mercado editorial em crise no país. Surfando na onda do Pokémon Go, editoras investem cada vez mais na utilização da realidade aumentada em suas publicações. O recurso não é novo — vinha sendo utilizado sem muito alarde em obras físicas e digitais desde 2008 — mas ganha força à medida que é aperfeiçoado e invade progressivamente nossas vidas. Quem comprou a aposta, garante: chegou a hora e a vez da realidade aumentada na indústria do livro.
Seja na ficção, no didático ou no infantil, as possibilidades são múltiplas, desenvolvendo elementos gráficos em 3D, vídeo e interações entre o virtual e o real. O princípio é o mesmo que o do famoso jogo dos bichinhos japoneses, só que a serviço da leitura. Pela mediação de tablets e smartphones, personagens saem da página e ganham vida, cenários fixos viram mundos virtuais quase palpáveis, e a apresentação interativa de conteúdos difíceis como matemática ou ciência tornam o aprendizado mais lúdico e atrativo.
— Com a febre mundial do Pokémon Go, houve uma popularização da tecnologia, o que sinaliza o óbvio: se já está sendo assim nos games, será assim com os livros — avalia Josué Matos, da editora PenDragon, que exibiu na última Bienal de São Paulo, encerrada no sábado passado, publicações com a tecnologia em seu estande.
Seus mais recentes lançamentos (como a fantasia “Adelphos — A Revelação”, de M. Pattal) incluem interações em 3D entre público e obra. Os próximos prometem ir mais longe, oferecendo mapas virtuais em romances de fantasia e personagens animados saltando dos livros e brincando com os leitores.
— Felizmente o uso da tecnologia em um jogo mostrou o caminho para a união perfeita entre imaginação e realidade — diz o editor. — Saber fazer uso dessa tecnologia colocará definitivamente os livros de ficção, ou de qualquer outro gênero, como ferramenta lúdica, com potencial para mudar o mundo.
Por enquanto, as iniciativas atuais nesse sentido envolvem principalmente os universos didático e infantil. Também na última Bienal, a DSOP, especializada em educação financeira, exibiu o seu “Diário dos sonhos”, de Reinaldo Domingos (com ilustrações de Bruna Assis Brasil). O livro traz desafios animados, em que cenários e personagens saltam das páginas para ensinar crianças sobre o uso de dinheiro.
Presidente da DSOP, Reinaldo Domingos aponta diversas razões na demora para a ferramenta ganhar a indústria como um todo — e de continuar sendo ainda apenas uma aposta no mercado editorial.
— O custo de criação ainda é relativamente alto em relação ao processo de criação de um livro, o que torna um investimento arriscado — diz ele. — Tem também o fato de ser uma ferramenta relativamente recente. Contudo, tenho certeza que essa será uma tendência para o mercado de editoras, pela necessidade cada vez maior de integrar o livro físico com novas tecnologias, para sobreviver a uma evolução natural da comunicação.
Fundador da Ovni Studios, um estúdio independente de games, Tiago Moraes desenvolveu, no final do ano passado, o projeto “Perônio”, que junta a dinâmica dos livros animados com a interatividade digital das telas sensíveis, e foi um dos primeiros lançamentos na linha híbrida 3D, realidade virtual e aumentada. Ele acredita que, só agora, os dispositivos móveis ideais para este tipo de experiência passaram a oferecer a performance necessária para a difusão da tecnologia.
— Por muito tempo se usou a webcam dos computadores para experiências de realidade aumentada, mas é fácil entender que os computadores e notebooks não eram os dispositivos ideais para este tipo de experiência — explica Moraes. — Antes do Pokémon Go, a grande maioria das pessoas não fazia ideia do que se tratava. Agora, ao serem confrontadas com esse termo, já associam ao jogo e sabem do que se trata. Devido à popularidade do aplicativo, outros estão tentando surfar na onda da realidade aumentada, pois o mindset das pessoas muda e as oportunidades aparecem.
Segundo Moraes, novas tecnologias demoram para chegar ao consumo de massa. A partir de agora, contudo, a realidade aumentada tende a evoluir de forma rápida — e quem souber aproveitá-la melhor deve sair na frente.
— A tecnologia de hoje tenta fazer com que tudo esteja dentro de nossos celulares. Muitas das coisas que fazíamos nos computadores são feitas nos celulares, como e-mails, redes sociais, GPS, fotos e entretenimento de forma geral — diz. — Em um período curto, tudo estará nos celulares, computadores e TVs deixarão de existir.
Livros infantis saem na frente
Com tese de doutorado sobre novas narrativas em mídias, a professora e coordenadora do curso de Jornalismo da Eco-UFRJ Cristiane Costa acredita que, de todas as novas estratégias para o livros animados, a realidade aumentada é a que tem mais possibilidade de vingar. Uma de suas principais vantagens em relação ao livro pop-up, que cria animações em dobraduras por meio de um complexo trabalho com o papel, é que ela não demanda os altos custos de impressão.
— Embora tenha uma linguagem única, a realidade aumentada é uma evolução dessa estética que já existia no impresso com os livros pop-up — explica. — Seu desenvolvimento a popularizou e aumentou o nível de interatividade.
Depois de pesquisar o assunto com Cristiane na UFRJ, a produtora editorial Aline Pina passou a editar um site sobre as novidades do uso da tecnologia nos livros. Segundo ela, os grandes grupos editoriais no Brasil continuam alheios às inovações nesse campo, que estão sendo introduzidas no mercado principalmente por editoras independentes, startups e agências de publicidade.
— Um bom projeto com realidade aumentada precisa ter um projeto gráfico pensado para o digital, que explore ao máximo as interações e as possibilidades oferecidas pelo conteúdo multimídia, e que esteja intimamente ligado com o conteúdo do impresso ou do aplicativo — opina Aline. — Atualmente, os livros infantis saem na frente porque têm maior apelo com as imagens, é mais fácil adaptar as histórias às animações. Estes livros são como brinquedo nas mãos das crianças, elas adoram. Nos didáticos, o uso da ferramenta torna o conteúdo mais fácil de vivenciar e aprender, mais empírico, construindo um novo entendimento baseado nas interações com objetos virtuais que trazem um material complementar e de fixação das aulas.
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