Elena Horrillo
É possível que o pesadelo de alguns pais seja ver sua filha adolescente lendo o polêmico Lolita, de Nabokov. Ou talvez se pareça mais com esse instante, eterno e torturante, em que seu rebento, ainda menor de idade, pede um exemplar do transgressor Mulheres, de Bukowski.
O que vem a seguir, certamente, é um olhar martirizado para o calendário, perguntando-se em que momento esse sangue do seu sangue deixou de lado aqueles livros cheios de ilustrações, e depois uma pequena pontada de alegria, porque ele pertence a essa comunidade de jovens que se interessam pela leitura. Nesse ponto é que surge o dilema: com que idade se deve ler Kerouac?
A má notícia é que não há respostas absolutas. “A questão não é tanto a idade, e sim o grau de maturidade”, diz Marisol Salazar Ego-Aguirre, chefa do departamento de Língua e Literatura do Colégio Lourdes de Madri. É preciso levar em conta a bagagem como leitor e o desenvolvimento do jovem. Há livros que podem ser lidos aos 16 anos, mas que são muito mais apreciados quando se é um pouco mais adulto. Outros são para ler e reler.
Convém levar em conta também a confiança que existe dentro de casa. “Seria bom que antes pais e filhos conversassem sobre temas como o sexo, drogas e as complexas relações humanas, porque livros desse tipo devem ser encarados como ficção, não como exemplos a seguir em alguns casos”, reflete Jesús Casals, diretor de conteúdo da livraria La Central de Callao, de Madri.
Consultamos pais, professores, críticos e vendedores e selecionamos 15 livros que, recomendados ou dados de presente (desde que pareça um acidente), servirão para que seus filhos deem o salto para a idade adulta, literariamente falando. E o melhor de tudo é que, se você já estiver avisado, não sofrerá uma série de microinfartos toda vez que mergulhar nas suas páginas.
1. Abaixo de Zero, de Bret Easton Ellis. Sim, Easton Ellis é também o autor do perturbador O Psicopata Americano. E, sim, é um representante da chamada Geração X. E também “descreve a sociedade norte-americana rica e sua decadência moral, mergulhada em drogas, álcool e perversões sexuais”, diz a especialista Marisol Salazar. Nada disso é tranquilizador, mas, sejamos sinceros, poucas coisas desse tipo deverão impressionar um adolescente do século XXI com acesso ao Snapchat e Instagram. É possível que lhes forneça um ponto de vista diferente sobre esses excessos.
2. O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Não, não tem absolutamente nada a ver com os arquiconhecidos tons de cinza de Christian Grey – repare que a vogal é diferente. O livro do E.L. James só deveria cair nas mãos da sua prole como um magnífico exemplo do grau de controle e poder que uma relação jamais deveria admitir. E não, não nos referimos ao sexo. Se você quiser oferecer algo muito mais benéfico aos seus filhos e, nas palavras de Casals, se quiser que comecem “a compreender que não serão jovens a vida toda”, ponha este clássico de Wilde em suas mãos.
3. No País das Últimas Coisas, de Paul Auster. “A descrição de um futuro sombrio, um mundo que desaparece, nos convida a refletir sobre nossas ações e nos apresenta um futuro terrível”, comenta Mercedes Hernández, chefe do departamento de livros da FNAC Espanha. Jogando com a distopia, o premiado autor norte-americano Paul Auster nos conduz ao lugar que ilumina o pesadelo da sociedade de consumo; sem valores, sem sentimentos e numa constante busca pela morte.
4. O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger. Em suas páginas aparecem temas como o álcool, sexo e prostituição. O fato de o assassino de John Lennon, Mark Chapman, portar um exemplar do romance na hora em que matou o Beatle conferiu à obra um caráter mitológico, para bem ou para mal, fazendo com que fosse proibido em algumas escolas ou transformado em leitura obrigatória em outras. Para Casals, a história do jovem Holden Caulfield, narrada em primeira pessoa, é “todo um romance de iniciação da vida adulta”. O livro é tão radical quanto seu protagonista, que precisa decidir se cresce ou não. Um dilema e tanto.
5. Tokio Blues - Norwegian Wood, de Haruki Murakami. O aspirante ao Nobel de Literatura costura um triângulo amoroso — ou vários — enaltecendo a morte, cultura, sexo e inseguranças da adolescência. É um romance intimista, com uma forte carga emocional e, às vezes, tortuoso. Por que lê-lo? “Para entender que você não é o único jovem torturado neste mundo”, diz Jesús Casals, diretor de conteúdo da rede de livrarias espanhola La Central.
15 livros que seu filho adolescente deve ler (mesmo que você não queira)
6. Grow Up (Cresça), de Ben Brooks. “Uma maneira encrenqueira contemporânea de dar o salto.” É como Casals define este livro, publicado em 2011, por um Ben Brooks que, na época, tinha 19 anos e afirmava que a obra — a quinta de sua carreira — havia sido finalizada três anos antes. A história gira em torno de um jovem inglês, Jasper, em sua jornada niilista para a vida adulta. Repleto de um humor jovial e sem pretensões. Seu protagonista já foi denominado como um Holden Caulfield (protagonista de O Apanhador no Campo de Centeio) nos tempos do Facebook e do cyberbullying.
7. O Estrangeiro, de Albert Camus. Um sintoma comum da adolescência é se sentir fora de lugar e tentar encontrar um para se adequar. Para Meursault, o protagonista de Camus, a realidade é estranha, absurda e incompreensível. Encontra-se privado de um sentimento de pertencimento e a apatia toma conta do personagem. Devido a esse aspecto trágico e por “incorporar a ideia da pessoa que se sente alheia a tudo”, o livro é recomendado por Jorge de Cominges, escritor e crítico literário.
8. O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. Sabemos que há um filme e que é estrelado por ninguém menos que o — finalmente — vencedor do Oscar Leonardo DiCaprio. Mas as cerca de 200 páginas de Scott Fitzgerald retratam cuidadosamente a sociedade fictícia, oprimida e cheia de excessos que caracterizou a década de vinte nos Estados Unidos. Uma época cheia de esperança e vitalidade que não via ainda seu nefasto horizonte final, na forma do crash de 29. Para De Cominges, é uma recomendação segura por seu “tom desencantado e o tema de tornar sonhos em realidade”.
9. Histórias de Cronópios e de Famas, de Julio Cortázar. “Quando você lê Cortázar pela primeira vez, abre-se uma nova dimensão na linguagem, sua narrativa pode descobrir um universo paralelo em uma mente receptiva”, diz Mercedes Hernández, chefe do departamento de Livros da Fnac Espanha. Se depois de ler este livro seus filhos ficarem encantados, você pode ir à biblioteca e buscar outra obra-prima de Cortázar, como Rayuela.
10. O Jovem Törless, de Robert Musil. Para o escritor e crítico Jorge de Cominges, trata-se “do romance de aprendizagem por excelência”. Narra a passagem para a vida adulta, e em uma escola militar, do jovem Törless, que irá tropeçar na crueldade, na moralidade ou na sexualidade de seus colegas, como também nas suas. Foi escrito em 1906, alguns anos antes do início da Primeira Guerra Mundial, mas alguns padrões remetem ao império austro-húngaro.
15 livros que seu filho adolescente deve ler (mesmo que você não queira)
11. A Metamorfose, de Franz Kafka. Ingrediente presente em de toda boa lista literária que se preze, o clássico de Kafka atrai e inquieta adolescentes há décadas, ao mesmo tempo que vem arrastando teorias sobre sua interpretação. Portanto, para Casals, é “uma boa maneira de distinguir a realidade e ficção”, bem como para Salazar é “uma história perturbadora que os adolescentes precisam conhecer”. A boa notícia é que é tão curto que, uma década depois, é possível reler o livro e se surpreender novamente.
12. Historias del Kronen, de J. A. Mañas. Este romance tem sido chamado de irmão espanhol de Abaixo de Zero. Suas páginas, muito mais explícitas do que o filme de mesmo nome, foram incluídas por Salazar por falar de temas eternos que caracterizam os adolescentes, tais como o abuso de drogas, álcool, amizade, sexo e a busca por pertencer a um grupo, às vezes, seja qual for.
13. Maus - A História de Um Sobrevivente, de Art Spiegelman. Esta crônica de gatos — nazis — e ratos - judeus -, que lembra a história de um sobrevivente do extermínio nazista, foi o primeiro romance gráfico a ganhar o Prêmio Pulitzer. Não só evoca a história do holocausto, mas também foca na difícil convivência entre gerações após o horror sofrido. Para Hernández, é, sem dúvida, “a melhor maneira de aterrissar no romance gráfico: devido à própria história e por como é contada”.
14. Nip the Buds, Shoot the Kids (Belisquem os Botões, Matem as Crianças), de Kenzaburo Oé. Não abandonamos o tema da Segunda Guerra Mundial, apesar de agora nos aproximarmos da cultura japonesa da época. “Apesar de ser Prêmio Nobel e mundialmente conhecido, Kenzaburo Oé sempre é uma surpresa”, diz a especialista Mercedes Hernández. O escritor japonês retrata um cenário inicial semelhante ao Senhor das Moscas, com um grupo de jovens forçados à sobrevivência, mas isso não desemboca no caos, e sim na organização coletiva. E são precisamente os adultos que quebram o feitiço.
15. Heróis, de Ray Loriga. Tem todos os componentes para armar-se como um poliedro na mente de um adolescente. Rock, álcool, amigos, “meninas bonitas” e infinitas frases que antigamente eram sublinhadas ou escritas nos diários e que, agora, são compartilhadas, sobre um fundo limpo e negro, nas redes sociais dos dias atuais.
Transcrito de El País - 27/06/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário