Antonio Carlos Ribeiro
A narrativa do fato pareceu enviezar um evento desses que capta a atenção pela aparente glória, de um lado; e do horror mais desprezível que se pode impor a seres humanos, de outro. O que deveria ser uma homenagem ao Sheikh Zaied, que deixa a autoridade religiosa e política de sultão dos Emirados Árabes Unidos, com prêmio financeiro de 225 mil euros, que fez a Alemanha despertar desatinada - uma personalidade de cultura, sabedoria, impacto moral e respeitabilidade mundial - para intelectuais que são referências para a cultura ocidental. Do país que guarda as marcas dos seis anos na segunda guerra, e dos 76 que deles nos distanciam. A Reich Kultur deve ter sofrido um impacto tão grande, que jornalistas da revista der Spiegel o convenceram.
Desconsiderado o prêmio, a partir das histórias de todos conhecidas, da bagagem cultural e grandes contribuições, momento em que Jürgen Habermas declina da homenagem e volta à sua filosofia e sociologia que, junto com os colegas da Escola de Frankfurt, construíram o esteio da Cultura Ocidental, sobretudo em seus piores momentos. Certamente, um intelectual desta grandeza pode ter sofrido o efeito do ocaso intelectual, o descaso de jovens intelectuais, sua confrontação descontextualizada e incapacidade de entender professores de outro momento histórico que, na pior das hipóteses, abriram os caminhos pelos quais trilharam. Aos 91 anos, ele rejeita receber o prêmio na suntuosa Abu Dhabi. As diversas razões são a condição dos direitos humanos nos Emirados Árabes Unidos, da tortura, dos que rejeitam o regime e do encarceramento de líderes do movimento civil.
Sem autoridade mundial que conteste e imponha direitos consagrados em documentos aceitos ao redor do mundo, cartas solenes seriam pesarosas, além do sofrimento imposto à sua gente. Além de grandes arranha-céus em mercados verticais, cujos vitrais pretendem a negação do acesso. Ao que parece, 'Abu Dhabi' concentra riquezas, recursos, poder político, religioso e econômico que desperta a atenção do mundo ocidental, como o autódromo que acolheu as corridas de carros da Fórmula 1 em 2020, construído na capital como exibição de segurança, com 'cockpit' de última geração para pilotos e equipes de diversos continentes. Confronta recursos e estruturas naturais que dependem de forças e as querem controlar, impondo-se ao mundo. Além disso há direitos humanos que podem ser aniquilados como protesto contra a violência do genocídio e a destruição de instituições, a serem entregues ao nada.
Parece haver um ressentimento agudo, feroz, furioso e guiado por uma lista interminável de poderes dos quais querem se apossar, mesmo sem o discurso articulado, organizado e integrador, como se os séculos os distanciassem de qualquer possibilidade de afirmação.
Essa situação ilumina o conflito da direita brasileira: superada, desarticulada, insegura de si mesma, disposta a desarticular conquistas, destruir sem construir as próprias conquistas, que se assemelhem aos avanços do país das duas primeiras décadas, amarradas a quem se agarrou a estruturas precárias de poder, sem encontrar espaços de afirmação que não implique em usurpar o que não pode construir.
O filósofo e sociólogo capaz de devolver um prêmio que não lhe corresponde, ainda é o mais vivo e influente do mundo. O catedrático - discípulo de Adorno, colega de Horkheimer, Marcuse, Fromm e Benjamin - é o último dinossauro da Escola de Frankfurt, sustenta seus enunciados e julgamentos sobre temas essenciais. Aos 91 anos, lida com temas como imigração, nacionalismos, mídias digitais e crises da filosofia. Neste universo caótico de perdas, homicídios e genocídios, como gratos pelas ferramentas e recursos que vão nos ajudar na reconstrução do país.
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