sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Livros eletrônicos, mercado tradicional e etc.

Felipe Lindoso

A polêmica suscitada pelo artigo do Paulo Tedesco continua, e isso é muito bom. A última contribuição foi do Haroldo Ceravalo, que procura evitar maniqueísmos.

Mas merece alguns reparos.

1 - A questão do capital das editoras pequenas e médias. Sinto dizer, mas o problema não é de agora e está longe de se referir ao livro eletrônico. No meu livro O Brasil pode ser um país de leitores, que é de 2004, já assinalava que dois grandes problemas da nossa indústria editorial (entre outros, certamente) eram a falta de capital e a capacitação profissional dos editores. Quem quiser acompanhar o raciocínio completo pode comprar o livro e buscar o trecho em questão – afinal, a Summus e eu vivemos de vender livros. Aliás, o Gabriel Zaid, no seu Livros demais (também editado pela Summus, com minha tradução) assinalava isso: “entrar” no mercado editorial é mais fácil que montar uma quitanda. O problema é o capital para aguentar o tranco. Acrescente-se a isso o fato de que os mecanismos tradicionais do mercado fazem as editoras financiarem as livrarias. Está lá no livro também.



2 - Nenhum desses dois problemas foi equacionado até hoje. Portanto, continuam existindo. Ou alguém acredita que a maioria das editoras pequenas e médias dispõe de pessoal capacitado tanto do ponto de vista editorial como de marketing, administração e quejandos? Nem nas grandes a capacitação profissional é generalizada...

3 - Ler um PDF na tela é um saco. Mesmo as versões mais atuais da Adobe não têm nem fração das facilidades de navegação que o ePub mais chinfrim tem. Para ler com algum conforto é preciso imprimir. Se é para rabiscar e fazer anotações, devo dizer que faço isso com a maior facilidade no Kindle ou no Kobo, e posso arquivar minhas marcações sem precisar ficar folheando a papelada. Sinceramente, para mim o PDF não serve mais nem para garantir a integridade dos textos, já que atualmente é totalmente editável, e acho que o PDF é que é carroça. Mas de gosto não se discute.

4 - A Amazon e a Kobo realmente só aceitam arquivos de editoras comerciais em ePub (os auto publicados podem ir em Word). Mas a Saraiva e o Google, o Wook (português) aceitam o envio de arquivos em PDF e eles mesmo os transformam (a Árvore de Livros também). Ou seja, existe preguiça até mesmo de experimentar...

5 - É verdade que os leitores são caros. Só que, segundo o Retratos da Leitura no Brasil, a maioria dos que leem livros eletrônicos o faz em tablets e celulares, e todas as lojas divulgam os respectivos apps.

6 - Acho que o DRM é um problema muito maior. Especialmente para quem não tem familiaridade com os truques. Da minha parte, quebro tudo e guardo na minha máquina, que dessa história de arquivar na “nuvem” é que não sou lá muito fã.

7 - Já escrevi tantas vezes sobre a impressão sob demanda que me abstenho de comentar mais, por enquanto. Tanto no PublishNews quanto aqui no O Xis do Problema deve ter bem uns 20 posts sobre o assunto, quantidade que só perde para os posts sobre metadados.

De qualquer maneira, o artigo do Haroldo é bem ponderado e revela algumas das preocupações mais urgentes dos pequenos e médios editores.

Só para finalizar. Hoje leio tudo que posso no formato eletrônico. Mesmo livros complexos, como a série do Gaspari, a Cindy Leopoldo provou que o ePub 3 aguenta o tranco muitíssimo bem, e valorizou os livros com o material adicional. Livros de arte e infantis sim, não ficam bem (os infantis estão virando apps, e são muitas vezes bem ruinzinhos).

Mas continuo lendo e comprando livros em papel, e ninguém tasca a mão na minha edição da Pleyade da Comedie Humaine, ou na do Dom Quijote da Alfaguara. Mas essa polêmica de se o eletrônico vai “acabar” com o impresso é das coisas mais ociosas que já apareceram.

Transcrito de Publishnews - 01/07/2016

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