‘Valeu, passista! Samba de Botafogo, registro e memória’, de Ivy Zelaya, foi lançado recentemente
Na véspera de um carnaval de anos atrás, Walter Alfaiate e Paulinho da Viola convenceram os amigos que os acompanhavam à mesa do Aurora (como o tijucano Aldir Blanc) de que Botafogo ainda ocupava, como sempre, lugar de destaque no mapa do samba carioca. E não falavam em causa própria, mesmo com todo o direito de se incluírem entre os responsáveis pelo prestígio musical do lugar. Eles baseavam-se em fatos. Muitos, vividos ou testemunhados pelo primeiro. Outros, contados a eles por pessoal mais antigo. Fatos, enfim, que atestavam ser Botafogo um formidável celeiro de sambistas.
Quem reforça isso é Ivy Zelaya, 63 anos de residência, desde menina desfilante de blocos na Arnaldo Quintela, apaixonada por samba e autora de “Valeu, passista! Samba de Botafogo, registro e memória”, livro que saiu recentemente pela editora Folha Seca. Ivy se oculta por trás da modéstia (“não sou jornalista, nem crítica musical, nem historiadora...”) como se a pedir desculpas pelo atrevimento de enfrentar tal empreitada. Não precisava. O desafio só parecia maior pelo fato, inexplicável, de raríssimas vezes o samba de Botafogo ter obtido dos estudiosos da música popular o justo reconhecimento. Antes de Ivy, só o jornalista Luiz Fernando Vianna, citado por ela na introdução, soube ver em Botafogo “uma embaixada suburbana entre o Pão de Açúcar e o Corcovado” (no livro “Geografia carioca do samba”). Desafiada, a autora vai mais longe: narra, documenta e acaba contando uma história que confere ao bairro as honras merecidas.
BLOCOS COM PÉROLAS no repertório
O interesse de Ivy por essa história data de 1997, quando Carlos Alberto Rodrigues, o Carlinhos Passista, pôs à sua disposição valiosa matéria-prima — recortes de jornal, depoimentos, anotações, sua própria memória — incumbindo-a da missão do “resgatar”, o verbo é dela, uma grande saga. O livro é dividido em partes. A primeira é mostra a transformação do bairro, outrora aristocrático, que também fez a música que se ouvia por lá mudar, dos velhos saraus domésticos aos primeiros sambas. É na segunda parte que o gênero musical ganha força.
A importância do samba de Botafogo não deve ser medida a partir das duas escolas criadas na segunda metade do século passado, a Foliões de Botafogo e a São Clemente. Nenhuma delas chegou a acontecer nos principais desfiles do carnaval. Já os blocos, desde os anos 1930, com o da Pá Virada e o Paraíso das Cabrochas, tem se multiplicado em número impressionante. Ivy se dá ao cuidado de enumerá-los.
Em Botafogo todos sabem que “Tristeza”, um dos últimos grandes sambas de um tempo em que se fazia música de carnaval, foi escrita para os Foliões de Botafogo por Niltinho, joia do bairro, e que Milton de Oliveira apenas o reduziu para Jair Rodrigues gravar. Os mais antigos também se surpreendem ao saber que um dos mais belos sambas de 1948 (“Um dia, encontrei Rosa Maria/Na beira da pra a soluçar...”), é de Esdras Silva, o Caxinê, na época diretor do Unidos do Humaitá.
A pesquisa de Ivy Zelaia inclui discografia e musicografia, concluindo trabalho que não deixa de acrescentar leveza e humor ao volume de informações sobre a gente do samba. Gente que, em sua passagem, tem marcado presença não só pelos apelidos saborosos com que são conhecidos (Zorba Devagar, Celso Papel, Lourival Boa Memória, Marinho da Chuva, Pica-Fumo e, naturalmente, o citado Alfaiate, “o magnata supremo da elegância moderna” ), mas também, como ressalta a autora, como atraentes personagens e excelentes sambistas.
Transcrito de http://oglobo.globo.com/cultura/livros/critica-livro-oferece-um-formidavel-celeiro-do-samba-15808386
Transcrito de http://oglobo.globo.com/cultura/livros/critica-livro-oferece-um-formidavel-celeiro-do-samba-15808386
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