Demarcação das terras indígenas e reconhecimento dos brasileiros sobre a importância dos índios para o país ainda continuam sendo os desafios principais do Dia do Índio, comemorado hoje (19). Representantes dos povos indígenas que costumam viajar a Brasília para mobilizações e protestos ressaltam a importância que a data tem para a conscientização da sociedade, mas alertam que o tema não deve ficar restrito à celebração de hoje.
O cacique Piracuman, da etnia Yawalapiti, mora no Parque Indígena do Xingu, no norte de Mato Grosso, e costuma representar os povos do Alto Xingu nos eventos que ocorrem no Brasil e no exterior. Ele afirma que embora o branco comemore a data no dia 19 de abril, para o índio as comemorações ocorrem diariamente, a cada trabalho de plantio, pescaria ou outra atividade, como construção de uma oca (habitação indígena brasileira).
Apesar de classificar a comemoração como importante para afastar espíritos ruins e doenças, o irmão do cacique Aritana, o líder mais importante dos povos do Xingu, explica por que mais de mil pessoas, representando 200 etnias, vieram a Brasília na última semana . “Aquele pessoal que estava apontando flechas para a Casa [Palácio do Planalto] lá era para [todo mundo] entender que o índio está preocupado, que o Congresso não está olhando para índio. Aquela Casa só está olhando para progresso, só para desmatamento, plantação, construção de hidrelétrica nos rios. E os índios, que estão há muito tempo aqui, estão sendo ameaçados”, diz.
Piracuman afirma que as mudanças do clima já estão afetando as próprias terras indígenas, como a chegada da chuva fora de época, a devastação de áreas próximas a rios. Segundo ele, em 2014 um tornado atingiu a região pela primeira vez, danificando casas e derrubando árvores. “A demarcação é importante não só para nós, é para todos. Nós conhecemos a floresta muito bem. Ela é para nós um filtro, tem oxigênio, muitas ervas medicinais. Hoje, os produtores não estão mais respeitando a nascente. O desmatamento chega até lá. Não deixa nem um pezinho de árvore ali. Quando seca, começa a faltar água. Gostaria de pedir para os produtores fazeremr reflorestamento no lugar que eles estragaram”, diz o cacique, lembrando que há muita soja no estado onde vive.
Álvaro Tukano mora em Brasília e assumiu simbolicamente neste domingo (19) a direção do Memorial dos Povos Indígenas. Pertencente aos povos Tukano, no interior do Amazonas, ele acredita que a homologação de três terras indígenas anunciada pelo governo federal para esta segunda-feira (20), é um dever do Estado.
“As terras indígenas, ou de toda a Amazônia, é que produzem evaporação, que distribuem água por todo Brasil e a América do Sul. Por isso que o papel da [presidenta] Dilma [Rousseff] é demarcar, homologar, combater a violência. É cumprir as leis internacionais, não construir as hidrelétricas. É essa a sabedoria que ela tem que preservar”, defendeu.
Duas terras indígenas serão homologadas no estado do Amazonas: vão atender a reivindicações dos povos Kaixana e Mura. Os Arara e Juruna receberão a terra indígena Arara da Volta Grande do Xingu, localizada no município Senador José Porfírio (PA), homologação que faz parte do licenciamento para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Para Piracuman, o motivo é que parte dos territórios ocupados atualmente pelos índios será alagada com a ativação da usina.
“Nós, índios, não esquecemos onde é nosso lugar tradicional. Os índios não vão esquecer aquilo ali. Eles podem mudar para onde vai ser homologada, mas um dia ele vai querer voltar pra lá, onde tem parentes enterrados. A gente nunca esquece”, afirmou o cacique, que também pede que os profissionais a serem contratados para trabalhar na Fundação Nacional do Índio (Funai) tenham experiência para lidar com os povos indígenas e ligação com o meio ambiente
Daiara Tukano, professora da rede pública do DF - Elza Fiuza / Agência Brasil |
Abertura das comemorações do Dia do Índio no Memorial dos Povos Indígenas com a presença do Governador Rodrigo Rolemberg. Daiara Tukano, professora concursada do Distrito Federal (Elza Fiúza / Agência Brasil)
Daiara Tukano, empossada recentemente como professora da rede pública do Distrito Federal, disse que os brasileiros precisam se orgulhar da sua origem indígena. Ela é formada em artes visuais pela Universidade de Brasília e foi admitida em concurso público da Secretaria de Educação. De acordo com Daiara, há um problema histórico de legitimidade dos povos indígenas.
Segundo a indígena, os povos originários do Continente Americano sofrem hoje uma espécie de “apagamento social”.
E acrescentou: “O indígena é reconhecido apenas quando mora na aldeia. [Só que] estamos em todos os espaços, nas universidades, trabalhando nas cidades e também no campo. É importante que o Brasil recupere o respeito e o orgulho [pelo índio]”, disse.
Após a publicação da reportagem, o consórcio Norte Energia, responsável pela Usina Hidrelétrica Belo Monte, contestou a afirmação do cacique Piracuman, afirmando que as compensações da construção da usina não estão ocorrendo por conta de alagamentos de territórios indígenas.
“Nenhum centímetro de terra indígena na região será alagado em decorrência das obras da UHE Belo Monte. Isso é corroborado pela Funai [Fundação Nacional do Índio] e pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]. Há inclusive terras que ficam abaixo da barragem, portanto em trecho de alagamento impossível, conforme documento aprovado pelo Ibama - é o caso dos Arara, da Volta Grande do Xingu”, esclareceu a assessoria de imprensa da Norte Energia, por meio de nota enviada à Agência Brasil.
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