Maria de Fátima Coelho de Sousa
Apresento objetos culturais resultantes do conhecimento etnomatemático de uma determinada cultura ou grupo social, a partir de pesquisas realizadas nas cidades de Filadélfia e Araguaína, no Tocantins e Eldorado do Carajás, no Pará. Esses objetos representam o esforço e a expressão cultural, mostra as identificações do grupo social, refletem a cultura desse grupo social, expressas através das matérias-primas a que têm acesso e às técnicas empregadas na construção dos objetos.
Os objetos trazem elementos da sua percepção artística, indicam as finalidades dos objetos construídos e suas propostas ornamentais, compostas de miniaturas, utilitários, de valor comercial e uso local. Mas o significativo é a forma como o grupo social classifica as matérias dos objetos que produz e suas aplicações pedagógicas.
Os meus avós maternos e paternos têm sua origem na mesma cultura, viviam do trabalho na lavoura, cultivando vários tipos de plantações, na luta pela sobrevivência, especialmente em épocas marcadas por muitas dificuldades.
A maior delas é a quase completa falta de meios de transporte. As estradas eram precárias. Havia caminhos e picadas por onde eles transportavam tudo no lombo dos cavalos. Um desses produtos era o fumo, do qual meu avô paterno comprava uma arroba dos meus avôs maternos.
Esse contato comercial entre as populações propiciou a circunstância em que meu pai conheceu a minha mãe e se casaram. Os dois foram viver perto da família dela. E continuaram com a mesma cultura recebida. Eles tiveram doze filhos - cinco mulheres e sete homens – tendo perdido o segundo filho com apenas onze anos, por causa da meningite. Eles adotaram outra criança, de sete anos, garantindo a sobrevivência e a educação dos doze.
Aquela criança viveu conosco até completar dezoito anos. Depois se casou e foi morar em São Paulo, onde vive até hoje. Naquela época, meus pais não tinham condições financeiras, especialmente pela falta de educação. Os filhos e filhas estudaram até o terceiro ano primário. Eles viviam da lavoura, não tinham dinheiro para comprar brinquedos para os filhos. Foi por essa razão que os quatros filhos mais velhos aprenderam com os avós e com os meus pais a fazer artesanatos.
Ao trabalhar no cultivo da roça eles faziam coifo, jacá, caçoar de couro cru do boi, esteiras, abano, vassouras, cordas de palhas do olho do buriti, de bacaba e talos de taboca ou de braço de buriti. Usavam para colocar arroz, feijão, abóbora, pequi e tudo mais que era produzido na roça para o sustento da família.
Foi assim que os meus irmãos começaram a fazer miniaturas de braço de buriti. Aprendi esta arte quando eu tinha uns oito anos, fazendo miniaturas de bonecas, mesas, cadeiras, guarda-roupas, aviões, gaiolas, cavalos, carretas, pilões, mãos de pilão, caçoares, selas, carroças, currais, entre outros objetos.
O meu irmão mais velho, adotivo, quando tinha dez anos, me ensinou algumas atividades e eu fui usando a criatividade. Hoje eu só uso a imaginação e estou criando novas fórmulas como o cubo transformando o braço de buriti em dado, as pirâmides, as maquetes para construção de prédios e de todos os tipos de objetos que se usa na casa como cama, sofá, armários para livros. Depois veio uma série de objetos de formas geométricas feitos de braços de buriti e casca da árvore da cajazeira.
Recuperar esses objetos e entender como foram criados se tornou muito importante para continuar a cultura dos antepassados, garantindo a continuidade da cultura dos nossos avós, que nossos pais ensinaram aos seus filhos.
Ao estudar matemática e entender o contexto, percebi como ela me ajudaria a criar novas fórmulas, capazes de incentivar os alunos da rede pública e mostrando que seu aprendizado pode ser desenvolvido a partir da própria vida familiar, dentro de casa. Isso me fez valorizar a instrução recebida na família e seu significado para uma boa educação. E a valorizar os pais, sem os quais seria não poderia haver um processo educativo nas unidades escolares.
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