Filme de Camilo Cavalcante passeia pelas improváveis histórias de amor de três mulheres em um ambiente onde se misturam medo, violência, amor e paixão.
No pequeno vilarejo do sertão nordestino, o tempo é um personagem lento e sem pressa. A cena que abre o primeiro longa-metragem do pernambucano Camilo Cavalcante, A História da Eternidade, mostra bem o ritmo do filme: o choro do acordeon e a reza cantada acompanham a procissão de adeus ao filho de Querência. Ela é uma das três mulheres que conduzem o filme que estreia nesta quinta-feira (26).
Tudo ali parece suspenso no tempo e no espaço, em uma verdadeira ilha de pedra com ondas de terra que o vento faz dançar. Mas a paisagem também pode ser dura como o pai de Alfonsina, um homem bronco, violento e castrador interpretado por Claudio Jaborandy. Mas Camilo Cavalcante sabe como equilibrar a leveza e a brutalidade, e como um maestro, arranca dos atores uma performance crescente e grandiosa.
Desejo e desilusão. As histórias da jovem Alfonsina (Débora Ingrid), da matriarca Dona Das Dores (Zezita Matos) e de Querência (Marcélia Cartaxo) são costuradas com delicados fios de dor. Alfonsina sonha em ver o mar, mas passa seus dias afogada nos afazeres domésticos. Suas únicas válvulas de escape são sua imaginação e sua relação com o tio Joãozinho, um artista deslocado da comunidade, interpretado por Irandhir Santos.
Dona das Dores é uma espécie de avó-coragem, o alicerce das dores alheias que, no entanto, não consegue suportar seu próprio pesar. A chegada do neto de São Paulo revira sua vida pelo avesso e traz uma culpa que nem sua religião consegue aliviar. Já Querência é abandonada pelo marido depois da segunda gravidez mal-sucedida e tenta se abrir para o amor do sanfoneiro Aderaldo, um cego que enxerga mais que muita gente.
Os primeiros 50 minutos de filme são contidos como as emoções dos personagens e a câmera se mantém fixa. A reviravolta (e o ponto alto do longa) se dá quando Joãozinho se apresenta no centro do vilarejo: ao som de Fala, da banda Secos & Molhados, ele tenta se libertar e seus movimentos são acompanhados por uma câmera leve, que gira em torno do artista e o eleva como um redemoinho de areia. Apenas aos olhos da sobrinha ele não é estranho, mas um artista sensível a quem ela pode confiar seus sonhos. “Sente nessa pedra. Feche os olhos. Passe uma vassoura nessa mente. Dá uma espanada nos pensamentos e presta atenção só na minha voz”, diz à sobrinha. E, de repente, o sertão vira mar dentro da menina.
As três histórias de amor e de desejo causam uma revolução na paisagem afetiva dos moradores do vilarejo. Seus sentimentos, ora castrados, ganham a força de uma chuva torrencial na secura sertaneja. A História da Eternidade é daqueles filmes que dão vontade de aplaudir ao final.
Não é à toa que o longa-metragem recebeu o Prêmio de Melhor Filme na escolha do júri popular na 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e levou vários prêmios no 6º Paulinia Film Festival, entre eles o de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Ator (Irandhir Santos).
Transcrito de http://www.redebrasilatual.com.br/entretenimento/2015/02/a-historia-da-eternidade-poesia-conflitos-e-desejos-no-sertao-9894.html
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