sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Política Nacional de Participação: instrumento de cidadania para a Reforma Política

O debate ora em curso na sociedade brasileira acerca do Decreto que institui a PNPS está sendo pautado de forma desonesta e intencionalmente equivocada.

Marcelo Pires Mendonça (*)

Numa sociedade marcada por clivagens profundas e desigualdades abissais, a responsabilidade política é a medida do compromisso com a população indígena, os povos da floresta, a população negra, quilombolas, mulheres, crianças, jovens, idosos, sem terra e sem teto, enfim todos os grupos excluídos e vulneráveis cujas vozes foram silenciadas (não sem resistência) durante 514 anos. A redemocratização foi um marco na abertura do estado brasileiro à sociedade e foi a partir dos governos democráticos e populares do presidente Lula e da presidenta Dilma que este processo se consolidou com a criação, o fortalecimento e a institucionalização dos instrumentos de participação social, dentre os quais se destacam audiências e consultas públicas, comitês gestores, mesas de diálogo, ouvidorias, planos diretores, orçamentos participativos, as conferências e os conselhos nacionais. Todos apresentam uma característica em comum: a institucionalização de um canal democrático de diálogo e ação entre o Estado e a sociedade, com impacto direto e positivo na elaboração, implementação e monitoramento das políticas públicas.

Ao instituir por decreto a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) o governo reforça o seu compromisso em assegurar que a população seja protagonista de sua própria história, com políticas públicas que respondam efetivamente às demandas de seus principais interessados. Não por acaso a PNPS é um instrumento de fortalecimento dos conselhos de políticas públicas. O Decreto 8.243/2014 não menciona em momento algum a expressão "conselhos populares", tratando na realidade da regulamentação dos conselhos de políticas públicas.

O debate ora em curso na sociedade brasileira acerca do Decreto que institui a PNPS está sendo pautado de forma desonesta e intencionalmente equivocada pela mídia e pelos setores ultraconservadores da direita, que não têm interesse no aprofundamento da participação social. A desonestidade intelectual mais significativa perpassa a comparação da PNPS com modelos totalmente distintos e alguns inclusive datados historicamente (a exemplo dos soviets, implantados na antiga URSS) ou, ainda, com os Conselhos Comunais venezuelanos, que foram criados em 2006, pelo então Presidente Chávez, e que marcam o início do chamado “processo bolivariano”. Estas organizações constituem um modelo de “microgovernos” e fazem parte de um projeto governamental mais amplo, que pretende reconstruir administrativamente o território, com base na criação de “Comunas”. Diferente do modelo de participação social apresentado pelo Decreto 8.243/2014, que trata da criação e regulamentação de espaços institucionais de diálogo entre sociedade civil e poder público sem que altere em nenhum nível a composição entre Legislativo, Executivo e Judiciário.

Ao defender a Política de Participação Social reproduzindo os termos equivocados propalados pela mídia e pela oposição, sobretudo a expressão “conselhos populares”, cometemos o erro estratégico de discutir a política pela direita, quando devemos construir esta defesa partindo da realidade dos fatos e dos anseios de uma população que foi às ruas por mais espaço na política. O Decreto institui “conselhos de políticas públicas” com participação da sociedade civil e do poder público, expressão que não é mencionada em nenhuma notícia veiculada na mídia ou em nenhum discurso de ataque proferido pela direita. Mais grave ainda: a terminologia correta também não é adotada por aqueles que se manifestam publicamente pela defesa do Decreto. Mais do que uma questão retórica, trata-se de um primeiro espaço de luta, o qual passa pela manipulação do discurso a serviço da desinformação da sociedade brasileira.

Observamos duas trincheiras nesta luta: a institucional, que envolve os Três Poderes e a reafirmação de que estas esferas têm assegurado os seus papéis constitucionais na PNPS, ao contrário do que alegam os opositores da política; e a trincheira da mobilização social, que abrange o necessário e amplo debate junto à sociedade civil acerca dos mecanismos e propostas apresentados pela PNPS. Reconhecer estas trincheiras de luta é assumir a necessidade imperativa do governo mobilizar o parlamento, os partidos, as entidades nacionais e os movimentos populares e sociais em torno de uma estratégia a ser construída coletivamente e de forma participativa pela defesa da política de participação social. Isto significa defender a PNPS não apenas no discurso, mas colocando na prática desta luta os seus princípios.

Não há como dissociar o debate sobre a participação social do debate sobre reforma política. Citando a presidenta Dilma: “Não haverá reforma política sem participação social e popular”. Portanto, para haver reforma política e/com participação popular e social defendemos como propostas de ação: diálogo entre as lideranças políticas partidárias favoráveis ao Decreto com a finalidade de apresentar e debater os mecanismos propostos; além da realização de uma Conferência Nacional sobre Participação Social, de caráter propositivo e pedagógico, nos marcos da Educação Popular e Cidadã e que reúna todos os segmentos da sociedade num amplo diálogo, proporcionando a assimilação e conhecimento sobre Participação Social e popular, como também a elaboração de propostas para o aperfeiçoamento de seus mecanismos e instâncias, principalmente no que se refere a sua efetividade e a garantia da participação.

Que a defesa da PNPS reforce o seu papel de instrumento de resposta concreta e constitucional às “vozes das ruas” e que a sociedade conheça e se aproprie dos mecanismos e instâncias de participação que possibilitam a construção responsável de políticas públicas com participação social para fortalecer a nossa democracia! 

(*) É professor de História da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal, estudou filosofia marxista no Instituto de Ciências Sociais de Moscou/Rússia (ex-URSS), atualmente é Coordenador-Geral de Mecanismos Formais de Participação da Secretaria-Geral da Presidência da República.


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