As duas mãos de Carlos Drummond de Andrade, que escreviam sobre o sentimento do mundo e as pernas brancas, pernas amarelas, também se voltaram para elefantes que falam, histórias de infância, amores entre pulgas. Da mesma forma, o retrato de uma dona de casa que encontra e devora uma barata ou o trágico e cômico destino de Macabea não são o único tipo de universo de Clarice Lispector: ela também criava histórias em que seu cãozinho, Ulisses, falava e revelava as aventuras que viveu.
Se os nomes acima e outros, como Manuel Bandeira, Jorge Amado e Graciliano Ramos são presenças obrigatórias em qualquer historiografia da literatura brasileira, têm um lado muitas vezes menos conhecido. Em paralelo a nomes como o patrono da prosa infantil brasileira, Monteiro Lobato, vários mestres da nossa escrita se dedicaram a inventar histórias para crianças, em um mundo que se alimenta das fábulas, da cultura popular e das brincadeiras com as palavras (confira ao lado).
São histórias que podem parecer – ou mesmo ser – obras menores desses autores, mas não por sua pretensão. A maioria deles levava o ofício muito a sério, e suas produções são exemplos de como pensavam a poética voltada para o público infantil. É como o encenador russo Constantin Stanislavski já disse: para dialogar com as crianças, é preciso criar uma obra “igual a dos adultos, só que melhor”.
Drummond, por exemplo, defendia que não havia separação entre uma prosa adulta e uma infantil, e reclamava de quem tentava instaurar uma separação clara entre elas. “Será a criança um ser à parte, estranho ao homem, e reclamando uma literatura também à parte? Ou será a literatura infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado – porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância. Vêm-me à lembrança as miniaturas de árvores, com que se diverte o sadismo botânico dos japoneses; não são organismos naturais e plenos; são anões vegetais. A redução do homem, que a literatura infantil implica, dá produtos semelhantes”, argumentava o mineiro.
Outra autora prolífica em obras infantis, Clarice dizia ter três sentidos para a vida: amar os outros, escrever e criar meus filhos. Juntou os objetivos em um só, depois de ser provocada pelo filho Paulo, quando já tinha uma sólida carreira literária. Ele queria saber por que a mãe só criava obras para adultos, nunca para os pequenos leitores como ele. Como conta a escritora e pesquisadora Geórgia Alves no artigo Os infantis de Clarice Lispector, o desafio foi aceito em 1967, com a publicação de O mistério do coelho pensante.
De uma história que contava para o filho João Jorge dormir, Jorge Amado também se viu ligado à literatura infantil. Escreveu o texto de O gato malhado e a andorinha Sinhá em 1948, quando morava em Paris. Depois de voltar para o Brasil, deixou a narrativa de lado por muito tempo e até se esqueceu dela. Só a reencontrou quase 30 anos depois, e logo o amigo e ilustrador Carybé criou desenhos para acompanhar a história. O autor baiano, que nem gostava tanto assim do texto, se viu obrigado a publicá-lo – e gostou da experiência, tanto que deu continuidade a ela com outro livro, A bola e o goleiro.
Transcrito de http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2014/10/05/os-livros-infantis-que-os-grandes-autores-brasileiros-fizeram-149096.php
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