segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Resenha de Filme: Viva a Liberdade

Antonio Carlos Ribeiro*

O filme Viva a Liberdade (Viva La Libertà). Direção de Roberto Andò, com Toni Servillo, Valerio Mastandrea, Valeria Bruni Tedeschi. Comédia, drama. Itália, França, 2013. Conta uma história hilária e requintada, cujos detalhes de crueldade só aparecem quando comparados à realidade brasileira. Um político que exerce a função de primeiro ministro e ao mesmo tempo é o secretário-geral do partido, está envolvido em escândalos que impactam a sociedade economicamente, e por isso sofre hostilizações na rua, na TV e até na assembleia do partido político. Como na Europa a imprensa sofre menos influência das elites e mais pressões da população bem informada, não consegue pressionar o judiciário (Ação Penal 470) e nem invisibilizar escândalos (A Privataria Tucana), com os leitores do livro impresso e virtual. 



A história política da Itália – que tem escândalos conhecidos como os do primeiro ministro Silvio Berlusconi (maior rede de TV, máfia, pressões sobre diversos setores, prostituição e prostituição infantil) – resultam sempre em desvio de recursos de áreas fundamentais da cidadania. Essa temática é tratada de forma hilária nesta comédia de Roberto Andò, usando a capacidade artística do ator Toni Servillo, muito premiado pelo filme ‘A Grande Beleza’.

Ele assume a personalidade de irmãos gêmeos, que não se veem há 25 anos e são muito distintos, da formação ao caráter, passando pela profissão. Enrico Oliveri, o primeiro, representa o partido italiano nas eleições presidenciais, mas enfrenta uma crise de credibilidade - acentuada por certa esquizofrenia ideológica que ameaçam levar o partido ao caos – que lida com alto grau de rejeição popular, sem condições de apresentar qualquer alternativa para resolver crise grave. Diante da hostilidade, sem alternativas e sofrendo de depressão, decide desaparecer. 

Para resolver a crise de liderança, o assessor Andrea Bottini (Valerio Mastandrea) decide pactuar com a mulher do senador, Anna Oliveri (Michela Cescon), e chamam o irmão gêmeo do político, Giovanni Ernani, filósofo e professor, para substituir o irmão trânsfuga e deprimido, enquanto buscam uma solução. Mesmo tendo sido internado em manicômio, este assume a função e acaba mudando a vida do partido e dando esperança para a população.

A cultura filosófica e certos parâmetros éticos, além da autenticidade para a tarefa o fazem reconquistar a confiança popular. “Os partidos são medíocres porque as pessoas são medíocres; o partido é corrupto porque as pessoas também o são”. Fala a verdade, sai para dançar, responde sem medo, tem um discurso direto, a ponto de enfrentar as críticas e aflorar reflexões, mostrando-se um político democrático, voz do povo e símbolo da mudança. Enquanto o primeiro viaja pela França, hospeda-se na casa de uma amiga, casada com um diretor de cinema e com uma filha, muda ares e costumes, até sair da depressão, superar a apatia. 

A trama parece sugerir que na arte estão respostas à repetitiva vida política e aos intermináveis ciclos de corrupção, na vida dos dois irmãos – outra metáfora – como a insistir que o político corrupto, fustigado pelo povo, pressionado pelo partido que responderá a processos e o gestor público afeiçoado ao bem e amante da sabedoria (philo + sophia) podem habitar a mesma pessoa, cabendo a esta decidir como vai agir e que biografia terá. Quando Enrico busca um set de filmagem, pode buscar no discurso imagético um novo roteiro que o dignifique.

E quando Giovanni, agindo como Enrico, celebra um acordo com a embaixadora argentina dançando um tango, quer uma ética que parta da justeza dos corpos e dos movimentos precisos e chegue ao cotidiano da cidade, sem perder de vista que os pobres também têm direito ao belo, à saúde, à inteligência, a se verem como sujeitos de valor e a dar seu contributo à sociedade. Andò deixa um recado claro: a política pode ser inteligente – já que a corrupção é uma grande estupidez e o desprezo do povo que lhe confiou aquela tarefa é o máximo da insensatez. 

O talento da direção de Andò e a arte da representação de Servillo são uma denúncia do brilhantismo e da demência humana nos seus extremos. Um porque sabe dirigir e dar plena liberdade de criação do personagem ao ator. E outro porque sabe explorar sua arte, provoca a empatia do público que se vê no corrupto e no filósofo, e que ao encarnar os dois lados diametralmente opostos da condição humana sugere que a genialidade e a insanidade se encontrem em algum momento, devolvendo ao público a decisão sobre o perfil pelo qual desejam ser conhecidos.

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*Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT) - Campus Araguaína

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