sexta-feira, 25 de junho de 2021

Intelectuais alemães alertam: democracia brasileira pode não resistir


Quase três anos após carta lançada na eleição, signatários veem hoje confirmação de temores sobre Bolsonaro. Eles dizem que instituições estão sendo corroídas por dentro e podem não aguentar reeleição da extrema direita.

Em 2018, cerca de uma semana antes do segundo turno das eleições presidenciais, um grupo de mais de 40 intelectuais alemães lançou uma carta aberta sobre os riscos à democracia e aos direitos humanos no Brasil.

Quase três anos após o manifesto, signatários do documento avaliam que aquele temor acabou se confirmando sob o governo Jair Bolsonaro e dizem que as instituições democráticas, corroídas por dentro, estão sob pressão crescente, podendo não resistir.

A carta de 2018 não citava abertamente o então candidato Bolsonaro, mas fazia referências claras a declarações dadas por ele e seus apoiadores em relação à propagação de desinformação e difamações, aos ataques aos direitos de minorias, e à incitação da violência.

"Aprendemos, dolorosamente, com a história europeia e, em especial, com a história alemã, que a apologia da tortura e da violência e o desrespeito a concidadãos e minorias jamais serão solução para crises econômicas e políticas", destacava a carta.

Ao final do texto, os intelectuais pediam que o Judiciário brasileiro e as forças democráticas lutassem pelos direitos humanos e a democracia, e defendiam a punição daqueles que violam esses princípios com palavras ou atos.

Bolsonaro acabou eleito, e seu atual mandato está entrando na fase final. Nestes quase três anos, foram frequentes a realização de atos contra instituições democráticas, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso nacional, e gestos de apoio a pedidos de intervenção militar. O presidente e alguns de seus ministros participaram ativamente destes eventos, além de alimentar com ataques verbais o ódio contra a democracia e minorias.

O país também tem visto o desmonte de órgãos ambientais e de proteção a minorias e tentativas de interferência política em instituições de fiscalização, como a Polícia Federal, além de vivenciar ataques constantes à imprensa, praticados principalmente pelo presidente.

Já a propagação de mentiras se tornou política oficial durante pandemia, com o governo promovendo medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus e desdenhando de medidas sanitárias reconhecidas e aplicadas internacionalmente.


"Não é um golpe claro, mas uma infiltração"

Diante deste cenário, acadêmicos alemães ouvidos pela DW Brasil afirmam que a preocupação expressada na carta de 2018, de certa maneira, acabou se concretizando. Para a socióloga Maria Backhouse, da Universidade de Jena, essa confirmação, porém, ocorreu de forma diferente do que ela imaginava na época.

"Tinha o receio de que Bolsonaro instalaria uma ditadura, mas isso não ocorreu porque ele está tendo sucesso em sabotar a democracia por dentro", afirma a especialista em sociologia ambiental e desigualdade global.

Segundo ela, o presidente vem corroendo a democracia com os próprios meios deste sistema ao nomear determinados nomes para cargos estratégicos ou cortar recursos de universidades ou instituições de defesa do meio ambiente e minorias.

"A estratégia de Bolsonaro pode ser observada em vários países, não é um golpe claro, mas sim uma infiltração", ressalta Backhouse. 

Exemplos desse método de corrosão e seu impacto ocorreram em países como a Turquia de Recep Tayyip Erdogan – que ocupou o Judiciário e Forças Armadas com aliados e conseguiu assumir o controle destas instituições – ou a Hungria de Viktor Orbán – que conseguiu aprovar leis que, na prática, impossibilitam a vitória da oposição em eleições.

                                                            Bolsonaro durante "motociata" em São Paulo                                                                                                                                        Foto: Andre Lucas/dpa/picture alliance

A economista Barbara Fritz, da Universidade Livre de Berlim, diz que o modo de agir de Bolsonaro já era previsível antes das eleições. "Desde início era previsto que o governo Bolsonaro seria antidemocrático e promoveria uma luta permanente entre Judiciário e Legislativo, que tentam proteger as instituições democráticas. A ameaça à democracia continua existindo", destaca.

O sociólogo Hauke Brunkhorst, da Universidade de Flensburg, tem uma visão semelhante e afirma que a carta aberta continua atual. "Ainda seria um golpe de sorte caso a democracia no Brasil sobreviva nessas circunstâncias", avalia.


Cenário sombrio em caso de reeleição

Para Brunkhorst, especialista em sociologia constitucional e teoria política, o tipo "populista caótico fascista", como Bolsonaro ou o ex-presidente americano Donald Trump, dificilmente consegue resistir a um mandato. Mas se ele conseguir manipular o sistema eleitoral, a imprensa e outras instituições democráticas a seu favor, afirma o intelectual, como ocorreu na Hungria e na Polônia, Bolsonaro pode permanecer no poder "legalmente" por vários anos.

Devido a essas tentativas de corroer o sistema democrático por dentro, os intelectuais preveem um cenário mais sombrio no caso de um segundo mandato de Bolsonaro. Brunkhorst pontua que nenhuma democracia sobrevive à reeleição de "tais figuras, que não perseguem nada além de interesses próprios, privados e narcisistas".

Backhouse ressalta que as instituições democráticas já estão sofrendo uma enorme pressão, mas elas não implodiram ainda. "Há muita resistência, apesar de todas as catástrofes, mas temo que num segundo mandato Bolsonaro seja mais autoritário e atue com muito mais força para destruí-las", avalia.


Risco de golpe?

Fritz também enxerga o futuro cenário brasileiro de forma semelhante. Para a economista, as chances eleitorais de Bolsonaro, no entanto, dependem, além dos candidatos, dos rumos que a economia vai tomar neste e no próximo ano. "Há muitas incertezas neste momento, mas as condições de largada para a economia do Brasil são muito ruins, o que pode influenciar negativamente o voto em Bolsonaro".

Segundo Brunkhorst, o fim do risco à democracia só ficará claro nas próximas eleições e depende, não somente de uma troca de governo, como também da reação dos militares neste caso. O especialista, porém, avalia que o cenário não é tão favorável para as Forças Armadas.

"Um fator muito importante é que de repente a esquerda pode voltar a ganhar eleições nas Américas e trazer para a agenda projetos radicais, com os quais ninguém contava, como a mudança da Constituição no Chile, que deixa de lado o mercado e vai de encontro à democracia e novas formas de socialismo, ou o programa político dos EUA, que vai além do New Deal. Pela primeira vez, parece que os militares brasileiros não podem mais contar com o apoio americano no caso de um golpe", acrescenta o sociólogo.

Assim como Brunkhorst, Backhouse estima que a ameaça também depende da reação de militares a uma eventual derrota do presidente nas urnas, o que, na visão dela, pode resultar numa escalada de violência no país devido à eventual recusa de Bolsonaro em reconhecer o resultado eleitoral.

Clarissa Neher

sábado, 5 de junho de 2021

Ex-bolsonarista, Luana curou-se no 'labirinto do Minotauro'

Fernando Horta                                                                                                            

Vou fazer um 'fio' aqui para entendermos um perigoso jogo político do qual estamos sendo parte sem saber. Não é algo novo, mas que pouca gente conhece. Chame este fio de "em terra de cegos, quem tem um olho é rei". 

                                           Fernando Horta - Historiador, professor da Universidade de Brasília (UnB)

Luana Araújo impactou a CPI ontem e hoje aparece em diversos meios de comunicação que tentam vender a sua "genialidade" com informações sobre sua infância. Não vou entrar nos méritos nem nas teorias, mas não quer dizer absolutamente nada, se alfabetizar ou tocar piano na idade x.

Luana impactou a CPI por ser racional e conhecer aquilo que a sociedade pagou a ela para conhecer. Muito diferente da Nise Yamaguchi, por exemplo. Mas temos algumas centenas de homens e mulheres, biólogos, biomédicos, infectologistas, etc no Brasil, que fariam igual ou melhor.

A verdade é que Luana é (ou era) bolsonarista. Eu mesmo tive discussões com ela quando defendeu a reabertura das escolas em São Paulo. Foi escolhida por ser bolsonarista. Bolsonarista e lavajatista, que comemorou a prisão ilegal de Lula e deve ter uma posição semelhante a da Juliana Paes.

Luana Araújo é médica infectologista, Mestra em Saúde
Pública pela Johns Hopkins University

Daí quando o senado perguntou porque ela tinha sido selecionada, é porque os senadores sabiam que ela era bolsonarista. E que ela se desencantou quando o mesmo conteúdo ideológico que ela defendia - e achava correto - jogou contra ela.

Ela apagou o perfil exatamente para que não pudesse ser rastreada, mas a internet tem memória, e não é difícil encontrar a Luana daquela época printada por aí. Mas o que isso tem a ver com política e com o Brasil?

Aí vem o objetivo deste fio. Há muito tempo as potências do mundo tentam conservar um domínio sobre os outros povos que não seja pelas armas. O domínio pela força é caro e frequentemente colhe insucessos. O domínio pelo consentimento é barato e duradouro.

A principal técnica para isso é a "cooptação das elites". Existem muitos trabalhos de sociologia sobre isso e muitos projetos assim hoje no mundo. Vou dar três exemplos históricos.

No final da segunda guerra os EUA criaram no Panamá a chamada "Escola das Américas". Supostamente uma academia militar para "cooperação e troca" de conhecimentos, mas que era na verdade uma forma de moldar a ideologia.

Os militares selecionados iam para lá e "aprendiam" a odiar povo e a esquerda. Aos poucos, os militares que voltavam desta experiência foram reputados como "mais capazes", tinham suas promoções aceleradas e eram colocados em postos de comando, por supostamente, serem mais capazes.

A Escola das Américas garantia o selo de "capacidade", distintivo nas forças armadas, e foi de lá que saíram todos os planejadores do golpe de 64. Cooptação das elites.

O mesmo aconteceu com a chamada "Escola de Chicago" e o neoliberalismo. Os EUA criaram um "programa" para receber jovens economistas recém formados, para fazer "mestrado e doutorado" em Chicago. Com tudo pago.

Estes estudantes não eram os mais inteligentes, ou os mais capazes, mas estavam entre aqueles com um vazio interior grande, capazes de assimilar o que quer que os seus financiadores quisessem. Surgiram os "Chicago Boys".

Jovens com pouca ou nenhuma retidão ética e moral, sem nenhum compromisso coletivo, que eram alçados a categoria de "gênios" e, quando voltavam aos seus países, ocupavam cargos decisórios importantes e colocavam o plano dos seus financiadores em prática.

Quem tiver dúvida sobre a não distinção, em termos de inteligência ou competência, entre os "Chicago Boys" e seus colegas que ficaram em solo pátrio, basta saber que a 'anta' do Paulo Guedes foi um "Chicago Boy". Cooptação das elites.

O mesmo faz hoje as fundações do Lehmann e outros milionários brasileiros com gente como a Tabata Amaral. Todos sabem que há toda uma politicagem que envolve doações para a universidade e interesses para abertura de "programas" que recebem estudantes da América do Sul, África etc. 

Essas pessoas não podem ser incapazes, mas estão longe de serem as melhores dos seus países. São escolhidas pelo vazio ético e a falta de compromisso nacional e social. A partir daí saem da experiência no exterior com o selo de "diferenciadas" para a população do seu país.

Em realidade, elas são diferenciadas em favor dos financiadores e não para os povos que as recebem de volta. Elas são "diferenciadas" porque trazem ideologias diferentes e são dóceis à figura das potências dominantes. E isso é uma forma barata de colonialismo cultural.

A fala de Luana enfatizando que foi a "única" que recebeu determinada honraria da Johns Hopkins, tem pouca importância nos meios acadêmicos, mas dita por ela, é parte da construção da aura de "diferenciada". Ela foi escolhida por ser bolsonarista. E se desiludiu.

Que bom que ela acordou ética e moralmente (será?), mas o caso dela não pode esconder toda uma política social de cooptação das elites, que acontece neste exato momento e que tem como representantes pessoas do quilate de Tabata Amaral e Kim Kataguiri.

Aprendi uma regra no meio acadêmico: se o "Dr" vier antes do nome, ele serve para nos mostrar que o ego vem antes do coletivo, e não raro, demonstra muito mais um artifício para esconder falhas de formação do que uma condecoração por mérito e esforço.

Quem é doutor de fato, não gosta de ser chamado assim e fica envergonhado que lhe chamem por uma coisa, que a imensa maioria passa a vida discutindo consigo mesmo, se está à altura do título.

Uma segunda coisa que aprendi, neste mundo da "torre de marfim", é que se os livros da pessoa chegaram antes dela no exterior, ela tem valor pelo que produziu. Se ela chegou lá antes dos livros, desconfie. Lembre-se da antiga e bem sucedida estratégia da "cooptação das elites".

E lembre também que isso não acontece só na academia. Acontece na arte, na política etc. Em toda atividade cujo ego e a vaidade estejam intrinsicamente ligadas ao sucesso, esta estratégia internacional funciona com efetividade. Não criemos heróis que lutam pelos outros!






sexta-feira, 4 de junho de 2021

Luana, musa da CPI, lava nossa alma

RUTH DE AQUINO
JUNE 03, 2021

A médica infectologista Luana Araújo, na CPI da Covid: lealdade aos pacientes, à Ciência e ao Brasil Mais Luanas e menos Nises e Mayras, esse é o Brasil que merecemos. “Não é porque um vírus morre no micro-ondas que eu vou pedir para o paciente entrar no forno duas vezes por dia”. Tem humor ferino a mineira Luana Araújo, médica especialista em doenças infecciosas pela UFRJ. Assim ela detonou, na CPI no Senado, os tratamentos experimentais para Covid, com antivirais in vitro.


 Luana Araújo é médica infectologista, Mestra em Saúde Pública pela Universidade Johns Hopkins (EUA), fala inglês, alemão e português (em desuso no Planalto)

Luana tem mestrado nos EUA em Saúde Pública. Fala bem inglês, alemão e até o português, em desuso no Planalto. Canta, toca piano. No Senado, sapateou em cima dos negacionistas fake com o salto alto do conhecimento e da palavra. A discussão sobre a cloroquina, ela chamou de “delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente”. O tratamento precoce mereceu mais uma ironia: “É como se a gente estivesse escolhendo de que borda da Terra plana a gente vai pular”. Fiquei encantada.

Precoce não é o tratamento com as caixinhas de cloroquina e ivermectina que Mayra, Nise, Pazuello e Bolsonaro coagiram médicos a receitar. Precoce é Luana, que aprendeu a ler e escrever sozinha com dois anos e aos quinze foi estudar música na Áustria, já com ensino médio concluído. Em seu perfil do Instagram, canta em inglês, tocando violão. Aí entendo como Luana soube projetar a voz, esgrimindo as sílabas com clareza em seu depoimento. Suas palavras soaram como música para os meus ouvidos.

Luana é carismática e bonita. Não me venham acusar de machista por constatar e apreciar. Com “a política do apropriado”, ficou feio falar das belas. O irlandês maldito Oscar Wilde dizia que “a beleza é superior à genialidade porque não precisa de comentário; ela é um dos fatos do mundo, não pode ser interrogada, é soberana por direito divino”. E sabemos bem que ele não se referia especificamente às mulheres.

Espero que a infectologista vencedora de bolsa de prestígio para a Universidade Johns Hopkins conviva bem com os elogios e a fama repentina. Importante é seu percurso como médica, suas palestras sobre doenças infecciosas, como voluntária, para crianças e adolescentes. Ela mora em Nova Lima (MG) com o marido, fotógrafo oficial do time do Cruzeiro. Virou a musa da CPI pelo que pensa e fala.

Luana podia ser tudo, menos secretária extraordinária de enfrentamento à Covid no governo Bolsonaro. Ainda levaram 10 dias para perceber que ela era uma médica séria, a favor de máscara, distanciamento social, vacinas. Luana já tinha dito que o Brasil, no combate à pandemia, estava “na vanguarda da estupidez mundial” e que o tratamento precoce das Nises e Mayras não passava de “neocurandeirismo”. No Senado, ao ser confrontada com um vídeo do presidente contra máscaras, reagiu: “Como médica, é muito ruim ver isso. Isso dói”.

Tenha cuidado com os efeitos colaterais dos holofotes, Luana. Já surgiram perfis fake sobre você. Os bolsonaristas não perdoarão a goleada acachapante que você impôs a quem despreza a vida. São um rebanho imune à razão, pronto a se imolar em nome do capitão. Aplaudem mentiras cínicas e debochadas.

“Mais de 320 dias. Esse seria o tempo em que teríamos de ficar quietos para respeitar um minuto de silêncio para cada uma das mais de 460 mil mortes por Covid-19 no Brasil. Só de ontem para hoje, é como se mais de 12 aviões comerciais grandes, lotados tivessem caído em nosso território. Essa é a razão pela qual eu estou aqui hoje. Para mim, isso é intolerável e qualquer pessoa precisa fazer o que estiver a seu alcance para impedir essa hecatombe”.

Você lavou nossa alma, Luana, com sua lealdade aos pacientes e ao Brasil.