domingo, 21 de maio de 2017

Press Release - Ano 4 - nº 066 – 19 de maio de 2017

Editorial
   Leituras, do imortal Antonio Candido à secundarista Ana Julia http://bit.ly/2qFuBrp

Debates
   Flagrante http://bit.ly/2qF5Knq

TV Leituras
   Ana Julia, fatal para os políticos velhos. E velhos políticos! http://bit.ly/2pZSWJA

Leitura Política
   Igrejas cristãs se manifestam por eleições diretas para a Presidência e o Congresso

Homenagem
   Vannuchi: 'Acho que o Tom também pensou no Antonio Candido ao fazer essa canção'

Notícias
   ‘Juventude tem a responsabilidade de apresentar o novo’, diz Ana Júlia http://bit.ly/2r794cw

   OAB quer impeachment de Temer, sem ter se desculpado pela falha jurídica grotesca

   Pela renúncia de Temer e por eleições diretas, manifestantes já se reúnem na Esquina
   Democrática http://bit.ly/2r6Kdp1

Clássicos da Arte
   Violeta Parra pintou, bordou, espalhou cultura e cantou a liberdade http://bit.ly/2qFhvdw

Ensaios
   Leituras Graciliânicas em Tempos de Golpe http://bit.ly/2rG0Ch8

Artigos
   'Diretas, já!' ou 'Diretas, nunca! http://bit.ly/2qJcG3v

Imagem
   Desigualdade social http://bit.ly/2q03pVh


Antonio Carlos Ribeiro
Universidade Federal do Tocantins/PPGL
Editor

Se desejar ler os demais Press Release, clique no blog Leituras http://bit.ly/1E35ugR

Editorial - Leituras, do imortal Antonio Candido à secundarista Ana Julia

19.05.2017

Após três meses de readaptação às tarefas de editor e professor, retomo a edição de 'Leituras', jornal dirigido aos leitores e leitoras de Letras, mas aberto a todos os saberes, incluídos os limítrofes.

Esta edição traz a denúncia Flagrante, escrita por Pedro Tierra, poeta e Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), com texto voraz e sem meios-termos. Com bem menos idade, mas no mesmo ritmo, está a secundarista Ana Júlia, falando - ao vivo - para os jovens, da politicamente arqueológica Curitiba. No mesmo viés de Leitura Política, estão as Igrejas cristãs brasileiras, se manifestando por eleições diretas para a Presidência e o Congresso.

É impossível olvidar a homenagem ao grande intelectual Antonio Candido, que partiu no dia 12. Ana Júlia volta à cena, proclamando que Juventude tem a responsabilidade de apresentar o novo, e a OAB, a mesma que apoiou o impeachment de Dilma, e agora quer o de Temer, esquecendo a falha grotesca. E as cenas do Brasil que vai às ruas exigir a cidadania roubada.

Por último, a arte de Violeta Parra, que pintou, bordou, espalhou cultura e cantou a liberdade, o Ensaio Leituras Graciliânicas em Tempos de Golpe, o Artigo 'Diretas, já!' ou 'Diretas, nunca!, e a imagem dramática da Desigualdade social.

Para não temer encarar a violência política bestial!

Flagrante

19.05.2017

Segundo informações da imprensa, o silêncio de Cunha foi comprado por 500 mil
semanais por 20 anos. Uma velha raposa foi colhida, num momento de distração (Foto: RCallado)

Pedro Tierra

Um dos chefes da quadrilha que assaltou o país há um ano, Michel Temer, foi colhido por um flagrante. Avalizava a compra do silêncio de outro chefe da mesma organização que conduziu o golpe de estado de 2016, se encontra preso e se tornou conhecido no país pelos métodos de chantagem que costuma utilizar nas relações políticas: Eduardo Cunha. Segundo as informações correntes na imprensa, o silêncio de Cunha foi comprado por 500 mil semanais por 20 anos.

Uma velha raposa foi colhida, num momento de distração, com a boca cheia de penas. Confirma-se assim diante da sociedade o caráter corrupto do grupo que impediu por meio de um processo fraudulento, uma Presidente honesta, eleita por 54 milhões de brasileiros e assumiu as rédeas do país para executar o Programa derrotado nas urnas em quatro eleições sucessivas: abrir mão da soberania nacional no que diz respeito às fontes de energia – as jazidas do Pré-sal – indispensáveis ao desenvolvimento autônomo do país e a venda de terras a estrangeiros; destruir as conquistas dos trabalhadores que resultam de mais de um século de lutas expressas nas Reformas Trabalhista e da Previdência Social.

O segundo alvo da operação, o Senador Aécio Neves protesta inocência e só consegue expor a imagem do cinismo que o acompanha desde as primeiras articulações políticas iniciadas com o anúncio dos resultados eleitorais de 2014 e que resultaram na composição de forças que deram suporte ao Golpe de 2016.

Temer já não reúne condições para conduzir a pauta de reformas contra os direitos dos trabalhadores e a soberania nacional, fundamento da ruptura da Constituição Democrática de 1988. Foi lançado ao mar por seus apoiadores para que o golpe prossigasua agenda. A afirmação da tarde desta quinta-feira, 18 de maio: “não renunciarei” reflete apenas a manifestação do instinto de sobrevivência de um personagem lamentável. Alguém que parece ter emergido do submundo de uma peça de Shakespeare para assombrar os viventes com sua capacidade de mesquinhez, intriga, traição e impostura.

Nessa novela de quinta categoria produzida e dirigida pela Rede Globo de Televisão, em certos momentos personagens de fancaria se rebelam contra o script, imaginando que escaparão da lógica imposta pela diretor da cena. Em vão. Temer seguirá o destino dos que o precederam na pantomima oferecida desde a Ação 470: o ostracismo ou, em alguns casos, a prisão.

O país não vai alterar esse folhetim se não romper, pelas mãos dos movimentos sociais dos trabalhadores, a partir da ocupação das ruas, com o monopólio dos roteiristas: esse anacronismo que resiste ao país e à Constituição, o monopólio das famílias controladoras das redes de comunicação social, em particular a Rede Globo de Televisão.

Os movimentos populares que vêm acumulando forças, na disputa do imaginário da sociedade brasileira, sobretudo com as mobilizações de meados de março último, com a Greve Geral de 28 de abril, com a vigorosa manifestação do 10 de maio em Curitiba em defesa de Lula diante do Tribunal de Exceção definem o contorno de um discurso que vai sendo absorvido pelo cidadão comum: a Reforma Trabalhista impõe ao país uma regressão que nos remete aos tempos da escravatura; a Liquidação da Previdência Social abole a possibilidade da velhice com dignidade e rompe o pacto de solidariedade entre a geração presente e a que a sucede em benefício do capital rentista que investe na Previdência Privada. Deter essa agenda criminosa contra direitos conquistados passa pela destituição de Temer e pela convocação de eleições Diretas Já.

A etapa política que se abriu na tarde de 18 de maio prepara oprocesso de eleições indiretas para Presidente, a partir do voto de um Congresso sem qualquer resquício de autoridade política perante o país, objetiva acelerar essa agenda rejeitada pela esmagadora maioria dos brasileiros.

Os movimentos sociais que irão às ruas no próximo dia 24, convocados pelas centrais sindicais e frentes populares dão clareza e concisão ao seu discurso: “Contra a Reforma Trabalhista, contra a Liquidação da Previdência Social e por Diretas Já!” A elaboração política desta síntese pode significar o freio necessário ao desmonte do projeto antinacional e antipopular em curso. A ação das ruas é que romper a lógica criminosa do script traçado para essa tragicomédia que parece não ter fim.

*Pedro Tierra – Poeta, ex-Presidente da Fundação Perseu Abramo e Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Transcrito de http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Flagrante/4/38133

Ana Julia, fatal para os políticos velhos. E velhos políticos!

19.05.2017

Igrejas cristãs se manifestam por eleições diretas para a Presidência e o Congresso

19.05.2017

Além do voto popular, religiosos querem a suspensão das reformas trabalhista e da Previdência,
a taxação de grandes fortunas e o fim da violência contra populações e movimentos sociais. Igrejas cristãs se manifestam por eleições diretas para a Presidência e o Congresso


Para as lideranças das igrejas cristãs, eleições são instrumento para o povo voltar a
conduzir os destinos da nação (Foto: Roberto Parizotti/CUT)

São Paulo – O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), que representa a Igreja Católica Apostólica Romana, Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana, Sirian Ortodoxa de Antioquia e Presbiteriana Unida, declarou apoio à realização de eleições diretas para a Presidência da República, para o Câmara e para o Senado como instrumento para restaurar a legitimidade da representação popular.

Em documento divulgado nesta sexta-feira (19), a entidade conclama as igrejas-membro e seus fieis para a oração, intercessão e resistência em favor da democracia que garanta o acesso universal à saúde, à educação, à previdência social e ao emprego.

“Queremos uma democracia que garanta a distribuição de riquezas, garantia de direitos aos povos indígenas, taxação sobre grandes fortunas e que nos permita sonhar por novo céu e nova terra. Nenhum direito a menos!"

No documento, os religiosos denunciam o avanço das forças políticas conservadoras por meio da desestabilização do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff com a suposta bandeira do combate à corrupção com vistas ao impeachment e a posse de Michel Temer. "Este processo passou para a história como um golpe parlamentar perpetrado em nome da moralização da política brasileira e concretizou a ruptura democrática."

Eles criticam ainda o fechamento do acesso popular ao Poder Legislativo, o cerco de policiais fortemente armados contra trabalhadores, estudantes e indígenas, criminalizando movimentos sociais.

"As discussões são realizadas a portas fechadas, sem a participação da sociedade civil. E que os patrocinadores do golpe levaram ao Executivo e ao Congresso uma pauta de retrocessos, que incluem o corte de programas sociais, o sucateamento dos serviços públicos, venda de terras para estrangeiros, até chegar à reforma trabalhista e à reforma previdenciária e na defesa do interesse de ruralistas, como no caso da CPI do Incra/Funai."

Para a entidade, as revelações de corrupção envolvendo Temer, em pleno exercício do mandato, e empresários do grupo JBS, são "as provas de que falta a esse governo a legitimidade para conduzir os destinos da nação, especialmente, quando se discutem propostas que afetam a vida de toda a população nos próximos cinquenta anos."

Transcrito de http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/05/igrejas-cristas-se-manifestam-por-eleicoes-diretas-para-a-presidencia-e-o-congresso

Vannuchi: 'Acho que o Tom também pensou no Antonio Candido ao fazer essa canção'

19.05.2017
Vannuchi: ativismo de Antonio Candido foi ocultado da grande imprensa. 'Foi militante de esquerda e um dos fundadores do PT'

São Paulo – "Quando você levantava a questão de quem era o maior intelectual brasileiro vivo, havia um consenso: Antonio Candido." A afirmação é do ex-ministro e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) Paulo Vannuchi. Em sua coluna na Rádio Brasil Atual, Vannuchi diz que conviver com um dos mais importantes pensadores e ativistas sociais do século 20 foi "um dos maiores privilégios de sua vida". Candido morreu na última sexta-feira (12), em São Paulo, aos 98 anos. 

Vannuchi contou histórias sobre o escritor e sociólogo e lembra que atuação de Antônio Candido na luta da esquerda democrática. "Ele ingressou na faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. Logo na década de 30, já lutou contra a ditadura de Getúlio Vargas."

Apesar das homenagens e menções a ele em veículos da imprensa comercial, o ex-ministro afirma que o ativismo do intelectual foi ocultado. "Tentaram esconder que Antonio Candido foi um dos fundadores do PT, e sua condição de militante de esquerda, onde passou a vida inteira lutando pelo socialismo democrático", observou. "Ele sempre repetia uma frase: 'democracia sem socialismo, não é democracia. Socialismo sem democracia, socialismo não é'."

Vannuchi lembra da participação do intelectual na presidência do Conselho da Fundação Perseu Abramo – posto hoje ocupado por Dilma Rousseff. Fala também da presença de Candido no momento em que o jurista Goffredo da Silva Teles redigiu o manifesto "Carta aos Brasileiros", em 1977, que repudiava a ditadura civil-militar e exigia o Estado de direito.

Segundo Vannuchi, Candido estava triste com rumos recentes da conjuntura política. Para ele, Lula representa um dos grandes ciclos da democratização brasileira. O primeiro foi a abolição, em 1888; o segundo, o processo de inclusão da classe trabalhadora urbana, durante o governo de Getúlio Vargas; e o terceiro seria a reforma agrária com a inclusão dos camponeses, feito por João Goulart. Lula liderou essa fase histórica da incorporação dos pobres no Orçamento da União com as políticas públicas de inclusão e os programas sociais.

Ele encerra o comentário com a música Se Todos Fossem Iguais a Você. A canção foi composta por Tom Jobim e Vinicius de Moraes para a peça Orfeu da Conceição (1956) – em que o poeta se inspira no drama mitológico grego Orfeu e Eurídice para construir uma leitura lírica e antropológica das favelas cariocas. "Esta música, parece hoje que ele até fez pensando também em Antonio Candido", diz Vannuchi.

Transcrito de http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/05/antonio-candido-era-o-maior-intelectual-vivo-do-brasil-diz-vannuchi

‘Juventude tem a responsabilidade de apresentar o novo’, diz Ana Júlia

19.05.2017

Temos a ideia de que vivemos em uma democracia representativa, mas como um governo
impopular com 4% de aprovação consegue aprovar todas as suas propostas?,
questiona em vídeo no 'Mídia Ninja'
A partir do momento que a juventude não se conforma com tantos retrocessos ela
consegue participar dos meios políticos

Sarah Fernandes, da RBA

São Paulo – A secundarista paranaense Ana Júlia Ribeiro afirmou hoje (17) que a juventude é fundamental na luta para construir uma democracia cidadã, pois “tem consigo o sentimento de não se conformar”. A adolescente virou um marco no movimento de ocupação de escolas do ano passado contra a reforma do ensino médio de Michel Temer, após sua fala na Assembleia Legislativa do Paraná sobre as razões do movimento de ocupação nas escolas de todo o país.

“Juventude e democracia são duas coisas que estão ligadas. Temos a ideia de que vivemos em uma democracia representativa, mas na verdade ela não tem nada de representativo pelo simples fato de que um governo impopular com 4% de aprovação consegue aprovar todas as suas propostas. Como um governo sem apoio popular consegue aprovar todas as suas propostas? Não tem lógica isso. Quem nos representa hoje no Congresso e no Senado não escuta mais o que seus próprios eleitores estão falando”, disse a jovem, ao estrear coluna em vídeo no coletivo Mídia Ninja.

Em 2016, o movimento de ocupações se espalhou por escolas e universidades de 20 estados e do Distrito Federal contra a reforma do ensino médio – sancionada pelo presidente Michel Temer em 16 de fevereiro deste ano, depois de tramitar como Medida Provisória (MP) 746 – e contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, promulgada pelo Congresso em dezembro de 2016, que restringe os investimentos sociais do governo federal, inclusive em educação, por 20 anos. O número de universidades ocupadas chegou a 171. No auge do movimento, em 28 de outubro, 1.198 escolas foram ocupadas no país, 845 só no Paraná.

A aluna do Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, defendeu que quem vive nas periferias, quem estuda em escola pública e quem não tem recursos não tem seu acesso à democracia garantido. “Ser cidadão é além de poder votar e ser votado. É poder construir uma sociedade e caminhar ao lado dos outros. Uma democracia pede cidadania e a cidadania, por consequência, pede juventude. A juventude tem que estar presente, pois carrega consigo a responsabilidade de apresentar o novo”, disse.

“Quando a juventude entende o processo político que estamos vivendo, as atrocidades que o governo está fazendo, ela vai para a rua e assim está construindo a cidadania. Quando a juventude percebe que não pode ficar em casa parada, que tem que ir para a rua manifestar sua indignação, essa juventude está fazendo parte do processo democrático”, disse a jovem. “A partir do momento que ela (a juventude) não se conforma com tantos retrocessos e com ameaças aos direitos fundamentais essa juventude muda e consegue participar dos meios políticos.”

Ana Júlia afirmou que os adolescentes que ocuparam suas escolas estão “tentando construir uma democracia” e ao mesmo tempo se construírem como cidadãos. “Por isso que questionamos a maneira que vivemos, onde vivemos e o que queremos viver. Esse questionamento é o principal para a construção de uma plena cidadania. Quando a gente conseguir construir essa cidadania e entender que ela está automaticamente ligada com a democracia a gente vai estar mais próximo de construir um Estado Democrático de Direito.”

Transcrito de http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2017/05/2018juventude-tem-a-responsabilidade-de-apresentar-o-novo2019-diz-ana-julia

Violeta Parra pintou, bordou, espalhou cultura e cantou a liberdade

19.05.2017

Neste 2017 completam-se 100 anos de nascimento e 50 anos da morte da artista e incansável pesquisadora da cultura popular chilena, a cantora do humano e do divino

Vitor Nuzzi, da Revista do Brasil

LIVRO YO SOY LA FELIZ VIOLETA/REPRODUÇÃO
A artista, compositora e ativista chilena Violeta Parra (1917-1967)


Yo te conozco bien
Hermana vieja
Norte y sur del país atormentado
(...)
Cántame una canción inolvidable
Una canción que no termine nunca
Una canción no más
Una canción
Es lo que pido
(Nicanor Parra, "Defensa del Violeta")

LIVRO YO SOY LA FELIZ VIOLETA/REPRODUÇÃO
Com a mãe, Clarisa (1960), e no espetáculo 'Violeta de Mayo', com a filha Isabel (Chabelita)


Genebra, 1965. Em um programa da TV suíça, a crítica de arte Magdeleine Brumagne pede que Violeta Parra explique uma de suas arpilleras, uma técnica têxtil de raiz popular e também uma forma de expressão, de narrativa do cotidiano. “Estes são os que amam a paz”, responde, mostrando as figuras desenhadas: ela própria, um amigo argentino, uma amiga e uma índia chilenas. “As flores de cada personagem são suas almas”, prossegue Violeta. Vê-se um fuzil, “que representa a morte”. E ela conta: “Os camponeses no Chile são muito pobres, como o meu avô. E eu não posso permanecer indiferente. Essa situação me incomoda”, afirma, chamando a obra de A Rebelião dos Camponeses.

Contra la Guerra (nome oficial da tela bordada), de 1962, integra o acervo permanente do Museu Violeta Parra, inaugurado em 4 de outubro de 2015, no dia em ela completaria 98 anos. Violeta deixou a Europa e retornou definitivamente ao Chile justamente em 1965, para, como disse, pôr os pés na terra. Seus planos incluiam abrir uma “universidade do folclore”, promover cursos e dar voz e espaço a artistas menos conhecidos, ampliar o espaço da cultura popular, sua paixão e missão de vida. Vida que foi abreviada no final da tarde de 5 de fevereiro de 1967, um domingo.

Violeta faria 50 anos em outubro daquele ano. Sua morte completa 50 anos, com vários eventos programados para lembrar aquela que a jornalista e pesquisadora Marisol García considera o principal nome de um imaginário título de “chileno universal”. Conforme escreveu em artigo, 10 anos atrás, apenas o presidente Salvador Allende e o poeta Pablo Neruda se aproximariam de Violeta del Carmen Parra Sandoval.

“Se analisarmos a obra de Violeta, veremos que ela não tinha travas. Se meteu a pintar, a bordar, a fazer cerâmica. Ela quis fazer um centro cultural (em La Reina) como se concebe agora, mas levar esse projeto adiante era a morte. Era simplesmente enterrar-se, que foi o que aconteceu”, disse a filha Isabel em 2008. Segundo ela, Violeta era “a vanguarda das vanguardas”, um fenômeno que o Chile não poderia compreender em sua época. Também foi, provavelmente, a primeira mulher do continente a fazer canções sociais.

“La Carpa de la Reina” foi o local da última morada e da última utopia de Violeta, que passou a vida pondo os pés na terra. Era uma área próxima a Santiago onde, sob uma lona (“carpa”) de circo, ela instalou um ponto de encontro e difusão cultural, no final de 1965. Era um lugar bonito, mas de difícil acesso, ainda mais naqueles tempos, e não teve a frequência esperada. As dificuldades financeiras cresceram, somadas a decepções sentimentais, até o dia em que um tiro pôs fim à vida da incansável artista.

Facilidade nunca existiu na vida de Violeta. Na mesma entrevista de 1965, ela fala de sua mãe, a costureira Clarisa, que procurava retalhos para costurar vestidos, como um que ela vestia diante da TV suíça. “Era muito pobre. Tinha 10 filhos para criar e muito pouco dinheiro. Bom, tampouco tem agora. Ela trabalhou muito para sobreviver. Como eu, que nunca tenho dinheiro.”

Violeta queria que as pessoas conhecessem a cultura popular de seu país. Saía pelo Chile atrás de quem pudesse contar e cantar – ela copiava e, quando possível, gravava. Gente como Rosa Lorca, uma senhora de “riso estentóreo (algo como espalhafatoso) e tabaqueiro e o seu dente de ouro”, conforme definiu Ángel Parra, filho mais velho de Violeta, no livro Violeta se fue a los cielos, lançado em 2006 e que serviu de base para um filme de Andrés Wood (2011), objeto de polêmica familiar. A cantora Tita, filha de Isabel, por exemplo, fez críticas ao longa, por considerar que sua avó não foi retratada corretamente.

Residente na França desde 1976, Ángel morreu no último 11 de março, aos 73 anos, depois de lutar muito tempo contra o câncer. No ano passado, lançou Mi Nueva Canción Chilena, Al Pueblo lo que es del Pueblo, um livro de memórias. Ao lado da irmã Isabel, ele acompanhou a mãe com apresentações na Europa nos anos 1960, e sempre testemunhou as andanças de Violeta pelo Chile em busca de preciosidades. Como Rosa Lorca.

“Para a minha mãe foi como encontrar uma enciclopédia no meio do mato”, escreveu Ángel. “O tesouro do 'Ali Babá' sem os ladrões. A sabedoria do nosso povo concentrada nesta extraordinária mulher. Dela recuperou diferentes formas de acompanhamentos de violão, a mão direita muito ágil, a maneira de tocar, arranhadelas, afinações, melodias, receitas de cozinha, tratamentos para a saúde. Soluções para afugentar o diabo, para o mau-olhado, indigestões, como caçar pirilampos, esta mulher era um verdadeiro almanaque.”

Foi também com Rosa que Violeta aprendeu mais sobre a cerimônia de velório de crianças com menos de 5 anos, os angelitos: “Pais não deviam chorar: as lágrimas umedecem as asas do angelito e o impedem de ir ao céu”.

LIVRO YO SOY LA FELIZ VIOLETA/REPRODUÇÃO
Quadro 'Velorio de Angelito', óleo sobre tela, de Violeta Parra (1964)

Ya se va para los cielos
Ese querido angelito
A rogar por sus abuelos
Por sus padres y hermanitos
(Rin del Angelito, Violeta Parra)

Em outra entrevista, em 5 de janeiro de 1960, à Rádio Universad de Concepción, Violeta é apresentada como “incansável batalhadora” em defesa do folclore. O narrador é o professor de História Mario Céspedes, que após o golpe de 1973 no Chile seria preso e torturado. Ele pergunta sobre sua participação em um evento cultural, e ela se diz um pouco assustada. “Porque você sabe, Mario, eu não sou oradora, não fui à escola. Sei tão pouco para integrar esse grupo tão valioso”, afirma Violeta, para em seguida defender seu trabalho de coleta pelo país: “Fui aos cantores populares para que conhecessem sua alma, seu pensamento, tal como conheci, como os ouvi falar”.

Com humor, Violeta define sua peregrinação e sua obstinação para divulgar a cultura de seu país: “Estou batalhando quase porta a porta, e entrando pela janela”. Céspedes pergunta quais as composições do folclore de que ela mais gosta. “Eu reconheço, amo e venero o canto ao humano e ao divino, desde o ponto de vista do texto literário e do ponto de vista musical.” No ano passado, a Universidade de Concepción criou a cátedra Violeta Parra, com a presença de Isabel e Tita.

Nada fazia Violeta desistir, contou Ángel. “Nem as paixões, nem dores, nem a insensibilidade das instituições que ela pensava que podiam ajudá-la. Nem a pobreza, que às vezes nos mordia os calcanhares, a desviariam do seu objetivo”, escreveu, lembrando que ela chamava de “zero à esquerda” os que considerava medíocres. Quando o caso era mais grave, eram “sacos de fumo”. Cita o exemplo de idas à Faculdade de Música da Universidade do Chile, em busca de apoio. “Quantas vezes esperamos duas, três horas, até que um burocrata a recebesse, para dizer-lhe que voltasse passados quinze dias.”

Ángel conta que sua mãe não dava conselhos – dava exemplos. “Sem um tostão, mas com o seu exemplo andamos para a frente, quebrando esse círculo infernal que é nascer pobre e sem educação. Posso dizer que fomos feitos a mão”, disse, agradecido.

Segundo ele, os “velhotes” que Violeta procurava “sentiam-se valorizados, respeitados e ouvidos”. Uma lição para não esquecer: “A minha mãe diria, povo que esquece o caminho tropeça na mesma pedra.”

Violeta teve nove irmãos e quatro filhos. Ángel (1939) e Isabel (1943), com o primeiro marido, o maquinista de trem e militante comunista Luis Cereceda, e Carmen Luisa (1950) e Rosa Clara (1954) com o tapeceiro Luis Arce. E teve também seu angelito: Rosita morreu aos 3 anos, de pneumonia. Quando criança, viu morrer Polito, irmão mais novo, e a reação desesperada da mãe. (Cuando ella eleva los gritos,/ comprendo que el niño ha muerto./ Parece que está durmiendo/ no más aquel palomito).

Rosita se fue a los cielos
igual que paloma blanca,
en una linda potranca
le apareció el ángel bueno,
le dijo: Dios en su seno
niña, te v´a recibir
las llaves las traigo aquí,
entremos al paraíso
que afuera llueve granizo,
pequeña flor de jazmín

Ela viveria ainda com o músico suíço Gilbert Favre – a separação ocorreu já em 1967. O amor verdadeiro, escreveu Tita, em livro ainda inédito. "Gilberto era um ser extraordinário, ria de si mesmo o tempo todo, de seu sotaque gringo, do que custava para aprender tanta coisa nova. (...) Conviviam muito bem, se amavam. Foi uma alegria ter um avô tão jovem e terno, doce e divertido."

A neta fala também de Nicanor (Tito), irmão mais velho de Violeta: "Foi seu sábio conselheiros, protetor, amigo e cúmplice. Entre os irmãos a comunicação às vezes era silêncio, risos, humor, ou lágrimas e consolo, amor condicional. Nicanor foi quem mais conheceu e compreendeu o valor de sua irmã Violeta, em todos os sentidos". 

Para Tita, é a partir de 1953 que nasce a "verdadeira" Violeta: "Estimulada pelo irmão Nicanor, (ela) começa a pesquisar, recopilar e ensinar a autêntica música folclórica (...). Abandona seu antigo repertório, percorrendo o Chile e seus povoados, aprendendo e compondo sua própria música. Isso significa uma reviravolta total em seu trabalho, na forma de vida, motivações e novos esforços, todos voltados a cumprir uma missão claríssima, que talvez ninguém ao seu redor compreenda bem".

Em abril de 1964 – quando o Brasil sofre um golpe e o Chile elege o democrata-cristão Eduardo Frei, que vence o socialista Salvador Allende –, Violeta expõe pinturas no Museu do Louvre. É a primeira artista latino-americana a apresentar uma mostra individual naquele local. Depois da temporada europeia, volta ao Chile e mora algum tempo com Ángel e Isabel em Santiago, no local conhecido como La Peña de los Parra, que deu nome a um LP lançado em 1971.

La Pena tem, entre as 12 faixas, Casamiento de Negros, canção de 1966 gravada por Milton Nascimento no álbum Clube da Esquina 2 (1978). Milton também gravou Volver a los Diecisiete no disco Geraes (1976), com a cantora argentina Mercedes Sosa. Naquele mesmo ano, Elis Regina incluiu Gracias a la Vida no LP Falso Brilhante.

Violeta foi um dos principais nomes ligados à chamada Nueva Canción Chilena, movimento identificado com as transformações sociais do país entre os anos 1960 e 1970. "Em suas canções, Violeta está dizendo o que ninguém quer ou atreve a dizer ou escutar. Com esse tipo de canções vai nascer um movimento musical e autoral que dá início a uma maneira distinta de denunciar a realidade social, a injustiça, a verdade oculta e negada, tudo que se esconde por trás da pobreza e da violência", escreve Tita.

Alguns, como Victor Jara, se alinharam à Unidade Popular, coligação que chegou ao poder em 1970, tendo à frente Salvador Allende, até o golpe de 1973. A veia crítica da compositora já estava presente muito antes, como mostram muitas de suas canções.



Ao final daquela entrevista de 1965, Magdeleine fala das várias faces artísticas de Violeta – poetisa, música, autora de arpilleras, pintora – e pergunta se fosse para escolher apenas uma, qual seria. Ela não pensa muito para responder.

“Escolheria ficar com as pessoas. São elas que me motivam a fazer todas essas coisas.”


Cada vez mais viva 

O Museu Violeta Parra promoverá neste ano mais de 80 recitais e mais de 250 visitas guiadas, além de exibição de filmes, entre outras atividades, para comemorar o centenário de nascimento da artista. No início deste ano, foi lançado o documentário Violeta – mas viva que nunca, do filho Ángel Parra e de Daniel Sandoval. A primeira exibição, em 6 de janeiro, foi no Centro Cultural La Moneda, no emblemático palácio presidencial localizado na Praça da Cidadania, em Santiago.

Em 19 de dezembro de 2015, Ángel e Isabel subiram ao palco do museu para um concerto, ao lado dos filhos Ángel e Tita Parra. Em entrevista no ano passado, quando se preparava para ir ao Chile dar inícios as celebrações pelo centenário de Violeta, disse que era uma oportunidade para continuar um trabalho "que venho realizando há muitos anos".

"Com Ángel (seu filho), temos nosso pequeno espetáculo, Angeles Parra Violeta, e o mesmo acontece com Javiera (também sua filha), Isabel e Tita (filha de Isabel). Há uma espécie de cadeia que nunca se desfez, e todo o que virá este ano (referindo-se a 2017) servirá para que sigamos fazendo esse trabalho."

Outro trabalho aos interessados na vida e na obra de Violeta é o documentário, disponível na internet, Viola Chilensis, dirigido em 2003 por Luis R. Vera. Ali estão depoimentos, entre outros, de Eduardo e Lautaro Parra, irmãos da artista, dos filhos, de Tita, Isabel Allende, do cantor uruguaio Daniel Viglietti, da argentina Mercedes Sosa e do poeta brasileiro Thiago de Mello. Também está lá a crítica Magdeleine Brumagne, autora do programa suíço citado no início deste texto.

Neste mês de abril, Tita Parra se apresenta na Região de Biobío, no centro-sul do Chile, com o concerto Yo soy la feliz Violeta, em localidades atingidas por incêndios florestais no último verão. É parte do projeto La ruta de Violeta, que inclui diversas atividades (shows, oficinas, exposições) inspiradas na artista. Em 16 de maio, estudantes de escolas de todo o país participarão dos Coros para Violeta, no início da quinta Semana da Educação Artística, coordenada pelo Conselho Nacional da Cultura e das Artes e pela Fundação Violeta Parra.

No ano passado, Tita esteve no Brasil participando do lançamento (financiado coletivamente) do álbum Violeta Terna y Eterna, do Sexteto Mundano, dirigido por Carlinhos Antunes, ex-integrante do grupo Tarancón.

Yo soy la feliz Violeta é também o nome de um livro escrito por Tita, ainda inédito. "A história social, a política e a cultura de um povo são os elementos com que Violeta Parra cria sua árvore multicolorida, nós mesmos, por assim dizer, a alma, o coração, a existência, a emoção humana, a vida popular. Em toda a sua obra ela está nos retratando", diz a autora na introdução. (Confira, abaixo, trechos do livro.)

Ángel e Isabel levaram adiante a obra da mãe, gravando discos de músicas tradicionais. No final de 2015, fizeram um concerto no Museu Violeta Parra, acompanhados de seus filhos Ángel e Tita. Assista.


Conhecer para compreender

LIVRO YO SOY LA FELIZ VIOLETA/REPRODUÇÃO


Livro foi produzido pela neta Tita Parra

Leia trechos de Yo soy la feliz Violeta, da intérprete Tita Parra, "neta de Violeta, filha de Isabel Parra e mãe de Antar, avó de Miguel", que viveu com a artista chilena até sua morte, em 1967, quando a menina tinha 11 anos. 

É a época do governo de Arturo Alessandri Palma, "El León de Tarapacá", a ditadura de Ibañez, a crise mundial de 1929. A situação social e política afeta profundamente a família de Violeta e seu entorno. Essa experiência dolorosa e as injustiças que sofreu na própria carne quando criança irão determinar seu rechaço aos governos autoritários e a ânsia de defender os oprimidos do mundo com seu violão e canto.

Ela sabe aproximar-se dos cantores, das velhinhas, sabe fazer rememorar de cada seus cantos, versos (...) Pouco a pouco, vai construindo um mapa musical em versos, ritmos, danças, estilos, formas, estruturas e variações. Violeta vai se transformando em antropóloga, musicóloga, pesquisando em profundida a autêntica arte popular chilena. E dessa mesma fonte se nutre para criar sua própria obra, em um processo dialético (...), inclui, estuda, aprende, difunde, revive. Então cria, inventa melodias própria para versos que estão sem música.

Minha avó é divertida, apaixonada por seu trabalho. Ela fala e comenta, pensa em voz alta, mostra as canções e gravações, ou fica em silêncio escrevendo, concentrada. Quando tenho 4 anos, escuto e vejo como se toca el guitarrón, o canto ao divino. (...) Amo seu cabelo comprido e fino. São dias felizes e sinto plenitude em minha avó intensa e apaixonada, não só pelo trabalho e por nós, sua família, mas pela própria vida. Nas manhãs, abrimos a porta e saudamos o sol.

Ela retrata a vida popular, seu entorno, os ritos, as tradições, as festas e conflitos, a vida familiar, seu afetos, a pobreza, problemas sociais, a injustiça, a dor, os massacres, as guerras, os sacrifícios dos povos que lutam por sua liberdade e dignidade, as penas e alegrias do povo, os camponeses, o mineiro do norte sob o sol inclemente, o pescador e o lenhador do sul e os frios invernos, as penas do povo Mapuche que perde sua terra, os rios de sangue que correm pelo mundo, e denuncia estas realidades cruéis com arte e gênio, graça, sensibilidade, sinceridade e honestidade. Com valentia, audácia, muita coragem. Ela dá sua vida por dizer a verdade, pintar a verdade, cantar a verdade.

Há muitos gêneros em cada país. Nas escolas de música no Chile pouco se aborda esse ensinamento, ou muito por alto. No Brasil, ao contrário, se estuda música brasileira no conservatório. Há escolas especializadas, como a Escola Portátil. No Chile não há onde estudar isto seriamente e profissionalmente. Violeta sonhava em fundar uma escola de Folclore e Arte Popular. Há que ensinar tambores, danças e música de raiz afro, cultura afro-americana, indo-americana e dos povos originários do Chile e toda a América. (...) O mundo está doente porque se esqueceu e se desconectou da terra. Nossos ancestrais sabem.

Sonia Montecino, prêmio nacional de Ciências Sociais e Humanidades, criou na Universidade do Chile um programa especial que se chama Cátedra Indígena. Ela fez esse trabalho que fazia Violeta, em âmbito acadêmico. Por exemplo, aproximar dos alunos a cultura Mapuche, Inca, Yoruba, Maia. Essa é a fonte de Violeta Parra. Ensinar isto é continuar seu trabalho.

Transcrito de http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/127/volver-a-la-violeta-despues-de-vivir-un-siglo/view

OAB quer impeachment de Temer, sem ter se desculpado pela falha jurídica grotesca

Comissão especial da OAB analisou as provas do inquérito, que foi aprovado por 25
votos a favor, um contra e uma ausência. O pedido deve ser protocolado na
Câmara dos Deputados nos próximos dias. 

Redação RBA

Para os conselheiros, Temer faltou ao decoro para o exercício da função e infringiu
lei do impeachment (Foto: Eugênio Novaes/OAB)

O Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) votou pela abertura de processo de impeachment contra o presidente Michel Temer (PMDB) por crime de responsabilidade. 

Os conselheiros acolheram voto proposto por comissão especial que analisou as provas do inquérito. Foram 25 votos favoráveis, um contrário e uma ausência. O pedido de impeachment deve ser protocolado na Câmara nos próximos dias.

Segundo a comissão especial, convocada pela diretoria da OAB Nacional, Temer teria falhado ao não informar às autoridades competentes a admissão de crime por Joesley Batista, diretor da JBS, e faltado com o decoro exigido do cargo ao se encontrar com o empresário sem registro da agenda e prometido agir em favor de interesses particulares.

E teria procedido de maneira incompatível com o decoro exigido do cargo, condição previstas tanto na Constituição da República quanto na Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950), por ter se encontrado com diretor de uma empresa investigada em 5 inquéritos. O encontro ocorreu em horário pouco estranho, às 22h45, fora de protocolo habitual, tanto pelo horário quanto pela forma, pois não há registros formais do encontro na agenda do presidente. 

Segundo a OAB, na conversa entre Temer e Joesley se verifica esforço aparente em se buscar nome favorável aos interesses da companhia para atuar como presidente do Cade e por favorecimento junto ao ministro da Fazenda. Isso também seria falta de decoro por interceder em interesses de particulares, os favorecendo em detrimento do interesse público.

O parecer da comissão foi lido pelo relator da comissão, Flávio Pansieri, que teve como colegas de colegiado Ary Raghiant Neto, Delosmar Domingos de Mendonça Júnior, Márcia Melaré e Daniel Jacob. 

 O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, destacou um momento de tristeza para a entidade ao pedir o impeachment "de mais um presidente da República, o segundo em uma gestão de 1 ano e 4 meses" .

Lamachia classificou a atual crise brasileira como sem precedentes sob todos os aspectos. “A velocidade e a seriedade dos fatos impõe que façamos o que sempre prezou esta gestão: colher posição do Conselho Federal da Ordem. Quero registrar que a confiança e o apoio de todos os conselheiros têm sido fundamentais para que possamos vencer os desafios que temos. A responsabilidade que OAB e advocacia tem é muito grande”, afirmou.

Transcrito de http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2017/05/oab-quer-impeachment-de-temer-por-crime-de-responsabilidade

Leituras Graciliânicas em Tempos de Golpe

19.05.2017

Cosme Rogério

A geração de intelectuais brasileiros instituídos na carreira de escritor ao longo da conturbada década de 1930 caracterizou-se pela busca da compreensão da identidade sociocultural brasileira, e também pelo engajamento político militante que rendeu-lhe perseguições. A prisão de Graciliano Ramos, sem acusação, sem processo, sem julgamento, foi um dos casos mais emblemáticos.



Os romances que surgiram com a chamada "geração de trinta" refletiram as tensões e acomodações em torno dos debates sobre temas relacionados à realidade brasileira, próprios daquele ambiente tumultuado pela experimentação dos efeitos desencadeados após a chegada de Getúlio Vargas à presidência da República, através de um golpe de Estado que ficou conhecido como "Revolução de 1930". Esse processo de ascensão removera setores tradicionais de seus postos privilegiados no comando da nação, e levou o governo a encarar sucessivas instabilidades e crises de legitimidade. As insatisfações geradas favoreceram o crescimento de organizações políticas de vários matizes ideológicos, dispostas à ocupação, contestação ou tomada do Estado renascente. A crescente polarização dos posicionamentos ideológicos ganhou forma organizacional com o surgimento da Ação Integralista Brasileira (AIB) e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), respectivamente em 1932 e 1935. Os integralistas incorporavam o nazifascismo de Hitler e Mussolini, enquanto os aliancistas aglutinavam diversos grupos de esquerda, com a hegemonia do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em oposição ao avanço do integralismo, ao autoritarismo adotado pelo governo Vargas, ao imperialismo e ao latifúndio. Contando com adesões importantes de vários ex-militares, a Aliança elegeu Luiz Carlos Prestes como seu presidente de honra. Conforme o jornalista Dênis de Moraes, “o herói da Coluna ingressara no PCB por imposição de Moscou, depois de ter sua filiação vetada pelo Comitê Central, dominado por tendências ultraesquerdistas e obreiristas. Embalada por comícios e atos públicos que reuniam milhares de pessoas, a ANL não demorou a radicalizar suas posições, não só em confrontos de rua com os integralistas, mas no famoso manifesto à nação de Prestes, em 5 de julho de 1935. O ‘governo podre de Vargas’ era definido como principal adversário dos aliancistas, que deveriam se preparar para o ‘assalto ao poder, que amadurece na consciência das grandes massas’”.

Uma semana após a publicação do manifesto referido na citação, Vargas decretou o fechamento da ANL, com base na nova Lei de Segurança Nacional. O assunto tomou conta do Bar Central, na capital alagoana, um dos pontos de encontro da roda de intelectuais de Maceió, da qual fazia parte Graciliano Ramos, dentre outros nomes que entrariam para o cânon literário brasileiro. “O grupo de literatos era praticamente todo antifascista e antigetulista”, explica Moraes. “Apenas três pessoas tinham vínculos com o comunismo: Alberto Passos Guimarães, secretário regional do PCB; Rachel de Queiroz havia rompido com o partido e se aproximado dos trotskistas, juntamente com seu marido, José Auto. Os demais, segundo Rachel, ‘eram quase todos cor-de-rosa, isto é, esquerdizantes que não chegavam a ser vermelhos’. Mas nem Alberto apoiava a luta armada contra Vargas, embora tivesse de acatar a linha oficial”.

Eis um traço distintivo fundamental entre as biografias de alguns autores da Geração de 1930 e a de Graciliano: eles já eram militantes do comunismo, enquanto o Velho Graça poderia ser chamado apenas de simpatizante. É certo que a Revolução de 1917 animou em Graciliano o interesse pelo marxismo desde sua juventude, pois se situam no período posterior a esse acontecimento na Rússia o seu aprofundamento nas leituras de Marx, Engels e Lenin em francês e italiano, e sua adesão “à utopia libertária ocupada pela vaga bolchevique”. Na Palmeira dos Índios do final da década de 1920, não eram esconsas as suas inclinações pelo socialismo, como recordou seu conterrâneo Brena Wanderley: “Certa vez, confessou-me sua admiração pelo povo russo e pelo socialismo. Recomendou-me a leitura de Marx e depois Dostoiévski, que lia em francês. Muitas vezes criticava fortemente o governo. Era um revoltado com as injustiças que cometiam em nosso país. Sofria com o drama dos nordestinos. Talvez fosse comunista no termo lato, mas antes de tudo amava o Brasil como bom patriota”.

Não obstante esta inclinação para o marxismo, difundido na América Latina pela corrente comunista que se dispunha a lançar as bases para uma orientação política revolucionária, Graciliano não tinha ainda uma ligação direta com o PCB, no sentido de compor seus quadros e/ou militar em suas fileiras. Quanto ao seu posicionamento político-ideológico, Raquel de Queiroz testemunhou que o colega de letras se tratava de “um homem com tendência igual à que se chama hoje de social-democrata. Colocava-se, como nós, contra os poderosos, contra o governo, contra a opressão. Talvez fosse até mais anarquista do que qualquer outra coisa”.

Ratificando o posicionamento de Graciliano diante da polarização político-ideológica da década de 1930, Alberto Passos Guimarães asseverou: “As posições dele eram de um liberal progressista. Não admitia um passo além disso. Suas ideias, em certos pontos, coincidiam com as nossas, mas ele não era comunista. Tinha opiniões próprias, independentes e bem elaboradas, mas não radicais ou revolucionárias. Não era homem de conversa fiada”.

Acontece que, nesse tempo, Graciliano ocupava a direção da Instrução Pública do Estado de Alagoas, equivalente ao atual cargo de secretário estadual da Educação, durante a administração – tachada de “semi-integralista e reacionária” pelos comunistas – do interventor federal Osman Loureiro, e isso representava um obstáculo à sua possível cooptação pela seção alagoana do PCB, que reproduzia o sectarismo partidário de âmbito nacional, por sua vez orientado pela visão do grupo ligado a Stalin, que saiu vitoriosa dos embates no interior do Partido Comunista Russo, ao fim do IV Congresso Mundial da Internacional Comunista. “De acordo com esta posição, o papel da URSS deveria ser o de guiar o proletariado mundial em um momento de iminência de uma nova “crise revolucionária”, o que significava a necessidade de ruptura com a social-democracia”, explica a historiadora Júlia Monnerat Barbosa, que estudou a militância política e a produção literária no Brasil entre as décadas de 1930 e 1950.

Instalado na estrutura do Estado, compondo o primeiro escalão do governo, Graciliano dedicava-se paralelamente à escrita, regada a aguardente, do seu terceiro romance, Angústia, considerado pela maioria dos críticos e leitores a obra-prima graciliânica. Essas tarefas – a função pública e a atividade literária – o mantiveram distante das palpitações do movimento, inclusive do episódio crucial conhecido como Intentona Comunista – frustrada tentativa de golpe através da tática da luta armada, que contrariava a linha de frente popular, mas contava com o endosso da Internacional Comunista. Segundo Moraes, Prestes enfatizaria que “a responsabilidade pela rebelião desencadeada em 23 de novembro de 1935 fora da própria direção do PCB, iludida por avaliações voluntaristas e dissociadas da realidade concreta”. O levante, irrompido em Natal, limitou-se, em Alagoas, a alguns muros pichados por militantes comunistas na capital, não dando trabalho ao governo, embora este tenha deixado a polícia de prontidão.

No início de 1936, telefonemas e telegramas anônimos começaram a perturbar o diretor da Instrução Pública, que, apesar de tudo, não dava bola para as ameaças. Seu prestígio político e intelectual o mantivera por um triênio à frente de um cargo pelo qual já haviam passado oito pessoas em dois anos. A situação nova impunha sua saída, não só por suposto envolvimento com os aliancistas ou pelo conteúdo “subversivo” de seus romances, mas também pelo seu habitus de administrador, conhecido e reconhecido pela austeridade e por não se vergar às pressões do campo de poder. Osman Loureiro precisava demiti-lo, mas queria que Graciliano se desligasse do governo voluntariamente, já que o governador não encontrava motivos objetivos para fazer isso. Mas Graciliano não lhe pediu a demissão. Deixou que o governador o fizesse. Finalmente, em 3 de março, no dia em que o escritor entregou os originais de Angústia para a datilógrafa D. Jeni, ficou também sabendo que seria detido a qualquer momento, no “cerco aos ‘comunistas’ nas capitais do Nordeste” ordenado pelo general Newton de Andrade Cavalcanti, comandante da 7.ª Região Militar. Apesar dos alertas de Luccarini – arquiteto italiano que foi seu funcionário na Instrução Pública – e Alberto Passos Guimarães, e dos pedidos de sua mulher Heloísa e de seu filho Júnio – que, com o irmão Márcio, militava na União da Juventude Comunista –, Graciliano renegou as propostas de fuga e aguardou em casa, de terno e gravata e de valise arrumada, o oficial do exército que o levaria preso – curiosamente o mesmo tenente que um mês antes havia procurado a Instrução Pública para lhe solicitar, por intermédio do apadrinhamento político, nova banca para a sua sobrinha que havia sido reprovada num exame de admissão para o curso normal, pedido ao qual Graciliano obviamente não atendeu. Pelos dez meses que passaria detido, transferido apulso para o Recife, depois, para o Rio de Janeiro, e apesar daqueles que o adjetivavam de “comunista” com o propósito de xingá-lo, não houve nenhuma acusação formal contra Graciliano, nenhum interrogatório, nenhum processo, nenhuma prova que o envolvesse diretamente à Intentona ou às organizações políticas perseguidas pelo governo Vargas. O que teria justificado, então, a sua detenção, assim como a de outros intelectuais nas mesmas condições, como Hermes Lima, Castro Rebelo, Leônidas Rezende e Luís Carpenter? Segundo Alzira Vargas do Amaral, filha e auxiliar direta de Getúlio Vargas, o pai lhe teria dito: “Foi uma exigência dos militares. Consideraram uma injustiça serem punidos os oficiais presos de armas na mão, enquanto os instigadores de tudo, os intelectuais que pregavam ideias subversivas, continuavam em liberdade”.

Ou seja, é evidente que Graciliano não foi preso por ser um militante comunista, mas por ser um intelectual perturbador do status quo. Nelson Werneck Sodré, historiador e general da reserva que à época era um jovem oficial, tornou-se amigo de Graciliano em 1937. Para ele, a prisão do literato foi motivada por pura perseguição política: “Não foram os problemas locais que determinaram a prisão de Graciliano; foram as questões de ordem ideológica. Na Instrução Pública, ele seguia à risca os seus princípios, era igual para todos, premiava os que mereciam, defendia os professores – era um homem de primeira ordem. Havia desgostosos, pessoas que foram feridas em seus interesses. A tarefa de prendê-lo, o oficial a executou a mando do general Newton Cavalcanti, cujo nome eu evito declinar para que não sobreviva ao esquecimento. Mesmo quando escrevi o prefácio de Memórias do cárcere, não mencionei o nome dele; não quero salvá-lo da merecida obscuridade em que deve jazer. Foi um dos homens mais facinorosos e imbecis que esta terra já produziu, uma mancha no Exército brasileiro. Como comandante da 7.ª Região Militar, e já adepto do integralismo, tratou de fazer uma limpeza de todos aqueles que suspeitava serem simpatizantes do comunismo. Nessa leva foi apanhado o Graciliano.

A repressão posterior à rebelião de 1935 provocou o aumento da população carcerária da Colônia Correcional Dois Rios, em Ilha Grande, no litoral sul fluminense, em mais de 465% no ano seguinte. Durante o período ali passado, Graciliano conviveu com intelectuais e próceres comunistas, interagindo e compartilhando com eles conhecimentos variados, além da precariedade da vida na prisão. Na descrição de Moraes: “O pavilhão, em forma de U, era uma construção ampla, de dois andares, com cinquenta cubículos, onde se comprimiam cerca de duzentos presos envolvidos na insurreição, a maioria jovens militares. Dividiam os xadrezes com professores, médicos, jornalistas, advogados, sindicalistas, operários e funcionários públicos. Em uma cela dupla no pavimento superior, encontravam-se dez mulheres, entre elas Olga Benario, Beatriz Bandeira, Maria Werneck de Castro, Nise da Silveira, Eneida de Moraes, Elisa Ewert (com traumas mentais pelas torturas sofridas na Polícia Especial), Eugênia Álvaro Moreyra e Carmen Ghioldi”.



O silêncio dos intelectuais acerca de Graciliano foi quebrado com a publicação de dois mil exemplares de Angústia, em novembro de 1936, editado pela Livraria José Olympio, “sonho de todo escritor”, de acordo como Gustavo Sorá. “Romancistas de vanguarda e acadêmicos, críticos e autores de sucesso comercial, historiadores e políticos”. O evento foi noticiado na Revista Acadêmica – fundada em 1933 e dirigida por Murilo Miranda e Moacir Werneck de Castro – com uma foto do romancista ilustrando o alto da página. A mesma revista conferiu à obra o Prêmio Lima Barreto de Literatura. Angústia repercutiu otimamente e valeu a Graciliano um respiro naquele momento de aperto financeiro: um conto e quatrocentos réis. Graças a uma articulação entre Heloísa Ramos (que havia partido para o Rio para lutar pela libertação do marido), Nise da Silveira e Eneida de Moraes, o lançamento do terceiro romance de Graciliano foi celebrado na prisão – não obstante a ranzinzice do homenageado – dando contornos humanos que contrastavam com aquele ambiente desumanizante. Moraes assim descreve a cena: “No maior segredo, Heloísa, Nise e Eneida organizaram uma festa para comemorar a publicação do romance. Com a anuência do major Nunes, alagoano e admirador do romancista, ajeitaram um almoço caprichado, juntando as mesas do salão e decorando a enfermaria com vasos de flores. Ao voltar do terraço, onde fora apanhar sol, Graciliano se espantou com os preparativos: – Que presepada é esta?”.

A intelectualidade brasileira, com raras exceções, esteve engajada na luta pela libertação das centenas de pessoas que permaneciam presas sem culpa formada. Vários jornais intercediam pela revisão desses casos. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) chegou a solicitar ao temido Filinto Müller, chefe da polícia política da ditadura de Vargas, a soltura dos jornalistas que não foram denunciados pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Um dos efeitos dessa pressão foi a aprovação, na Câmara dos Deputados, da moção de Octavio Mangabeira solicitando ao presidente Vargas essas libertações. A moção recebeu cento e quarenta e nove votos a favor – incluindo o voto do deputado Pedro Aleixo, líder do governo – e apenas quatro contra.

Augusto Frederico Schmidt, intelectual que gozava do respeito do regime, foi um dos que se manifestaram publicamente pela soltura de Graciliano. Em texto publicado em 22 de dezembro de 1936 com forte repercussão, o editor exaltou as qualidades literárias e pessoais do amigo da seguinte maneira: “O sr. Graciliano Ramos é um dos nomes mais significativos das letras novas do Brasil. Romancista de altos méritos, não transformou absolutamente a sua arte em instrumento de ação política, conservando-a, pelo contrário, num plano livre e puro. [...] Se foi preso, por engano de pessoa, estou certo de que as nossas dignas autoridades não insistirão em apartá-lo da sociedade que ele tanto dignifica”.

José Lins do Rego e o editor José Olympio também apelaram por Graciliano junto aos seus contatos no Palácio do Catete. De acordo com Moraes, José Lins chegou a deixar um recado a Vargas através do escritor Herman Lima, auxiliar do gabinete da presidência da República, nestes termos: “Você diga ao presidente que ele precisa mandar soltar o Graciliano Ramos. Graciliano está preso há um ano, tem sofrido os maiores horrores de prisão em prisão. Esse martírio não pode continuar.” Getúlio respondeu, no dia seguinte, com outro recado através de Herman Lima: “Você diga ao Zé Lins que nesse caso do comunismo eu não mandei prender ninguém, mas também não mando soltar ninguém. Isso é lá com a polícia. Mas autorizo-o falar com o general Pinto, dizendo-lhe de minha parte que indague a Filinto Müller se há alguma coisa apurada contra o Graciliano, e, do contrário, naturalmente que soltem o homem”.



Após dez meses e dez dias encarcerado, Graciliano foi posto em liberdade em 12 de janeiro de 1937, ano em que as tensões políticas se agravariam com o um novo golpe de Estado comandado por Getulio Vargas em 10 de novembro, respaldado pelos chefes militares, diante de uma suposta conspiração comunista forjada pelo Plano Cohen. A nova Constituição, por conter dispositivos autoritários baseados na Carta da Polônia, ficou conhecida como “Polaca”. Conforme se dispunha na “Polaca”, “Vargas governaria por decretos-leis, o Congresso ficaria entregue às traças, a imprensa censurada e os direitos e garantias individuais suspensos”. Pessoas próximas a Graciliano, associadas como uma ameaça ao novo regime ditatorial de Vargas, sofreram também perseguições políticas, e isso mantinha no escritor o temor de retornar à prisão. Nas palavras da pesquisadora Lucila Soares: “Graciliano preocupava-se com a possibilidade de voltar a ser preso – e mais de uma vez constatou estar sendo seguido na rua. Jorge Amado foi detido no Amazonas, quando voltava de uma longa viagem pela América Latina e pelos Estados Unidos. Rachel de Queiroz teve um cárcere sui generis: três meses na sala de cinema do quartel do Corpo de Bombeiros de Fortaleza. E, em pleno carnaval de 1938, ano de Touradas em Madri, Camisa listrada e Periquitinho verde, Tomás Santa Rosa foi levado pela polícia ao sair da José Olympio. Ficou pouco tempo atrás das grades, porque J.O. interveio em seu favor. Mas o episódio deixou evidente que ninguém estava seguro no Estado Novo, a não ser os que apoiavam incondicionalmente o regime”.

Um dos trechos mais ilustrativos desse temor, oriundo da instabilidade de um Brasil que faz história de golpe em golpe, talvez seja a carta que Graciliano enviou à sua esposa Heloísa em 28 de fevereiro de 1937, comentando a opinião de José Lins do Rego sobre o regime de exceção: “Zélins acha excelente a nossa desorganização, que faz que um sujeito esteja na Colônia hoje e fale com ministros amanhã; eu acho ruim a mencionada desorganização, que pode mandar para a Colônia o sujeito que falou com o ministro”.

Transcrito de http://lounge.obviousmag.org/espaco_cosmico/2016/05/leituras-gracilianicas-em-tempos-de-golpe.html#ixzz4hkQRfatp

Pela renúncia de Temer e por eleições diretas, manifestantes já se reúnem na Esquina Democrática

Ponto nuclear de atos políticos em Porto Alegre, já recebe, desde quinta (18),
concentração de manifestantes que exigem a saída de Temer da presidência

Gregório Mascarenhas
Guilherme Santos/Sul21

A Esquina Democrática, ponto nuclear de atos políticos em Porto Alegre, já recebe, desde a manhã desta quinta-feira (18), uma concentração de manifestantes que exigem a saída de Michel Temer da presidência da República e a realização de eleições diretas ainda neste ano. Nomes conhecidos da esquerda gaúcha – entre parlamentares, políticos, líderes de sindicatos e movimentos sociais – se reúnem e discursam para a população que passa em uma das regiões mais movimentadas da cidade, a partir da divulgação, na noite de ontem, de gravações nas quais o presidente Michel Temer discute pagamento de propina com um dos donos do frigorífico JBS – além da notícia de que Aécio Neves, presidente do PSDB, pediu propina de R$ 2 milhões ao empresário para pagar sua defesa na Lava-Jato.

Claudir Nespolo, presidente da CUT no Rio Grande do Sul, afirmou que esse foi o primeiro ato de uma nova fase política no país, “após o Supremo Tribunal Federal pegar Michel Temer e Aécio Neves”. O dirigente sindical diz que há uma maioria parlamentar insistindo em fazer reformas, como a da Previdência e da CLT, e que “não tem legitimidade para isso”. Nespolo afirma que Temer deve “sair correndo” e a e classe trabalhadora precisa “debater a solução, que é parar as reformas, recuperar a Petrobras, o pré-sal e antecipar as eleições de 2018. Um país com 14 milhões de desempregados não pode esperar por 2018”, disse. Ele cita o “desmonte das políticas públicas, do SUS, da Previdência” para convocar a população para o grande ato organizado para as 18h, na Esquina Democrática, para denunciar o golpe e exigir a saída de Michel Temer. O dirigente citou a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, além dos partidos de esquerda, para a criação de uma “frente ampla” no país.

Para Luciana, que aparece ao lado de Robaina, Fernanda Melchionna e Alex Fraga, há, neste momento, a possibilidade de impedir as reformas que prejudicam a classe trabalhadora.
Foto: Guilherme Santos/Sul21

O vereador Roberto Robaina, do PSOL, por sua vez, diz que o Brasil vive um momento histórico. “Teve um Senador da República, o Perrella, de Minas Gerais [também citado na delação de Joesley Batista], amigo de Aécio Neves, que teve helicóptero pego com 400 quilos de pasta base de cocaína. No Brasil, se o cara é pego traficando maconha na [Vila] Cruzeiro, ele vai para o Presídio Central; se é rico vai para o Senado”, disse o parlamentar, que também citou as reformas de Michel Temer: “ele entrou no governo para tocar reformas neoliberais e barrar o combate à corrupção. A única saída para combater essa catástrofe é a organização da classe trabalhadora”.

Luciana Genro, também do PSOL, definiu o momento como “proporcionado por uma brecha nas instituições apodrecidas desta República”. Ela afirma que a denúncia atinge os grandes partidos e a maior parte do Congresso Nacional e que o impeachment foi feito por “congressistas comprometidos com a corrupção”. Para Luciana, há, neste momento, a possibilidade de impedir as reformas que prejudicam a classe trabalhadora, pois “Temer não vai sobreviver às denúncias. A burguesia e a Globo vão tentar convencer o povo de que não é possível, pela Constituição, de se ter eleições diretas ainda neste ano. Temos que defender uma Assembleia Constituinte sem dinheiro de empreiteiras e bancos”, defendeu a psolista.

Para a Sofia Cavedon, vereadora na Capital pelo PT, a população está “atordoada e é vítima de uma alienação provocada propositalmente pela grande mídia. O golpe impõe um projeto draconiano, tanto que a população compreendeu o ‘Fora Temer’”, e citou o Parlamento, o Judiciário e os meios de comunicação como participantes do impeachment. Ela diz que é “muito importante grande unidade das centrais sindicais”, para combater quem quer “lucro e concentração de riquezas” no país. Sofia também denunciou o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, “que está na cadeia, recebendo milhões de reais para ficar quieto.”

Sofia Cavedon fala sobre a importância da unidade das centrais sindicais.
Foto: Guilherme Santos/Sul21

A sindicalista Berna Menezes, da Intersindical, citou o desemprego no país, “inaceitável para a nona economia do mundo” – que já atinge 14 milhões de pessoas. Ela fala sobre a “primarização” – isto é, a volta da centralidade dos produtos não-manufaturados – da economia do país e citou o abandono do Porto de Rio Grande “que tinha 20 mil trabalhadores e agora tem apelas 3 mil – e que eles tentam demitir”. Ela definiu o governo como uma “quadrilha comandada pelo Presidente da República” e que partidos “ganham dinheiro para dar isenções fiscais, como a JBS levou”. Berna pediu também unidade dos movimentos, “independente das diferenças”.

Raul Carrión, que foi Deputado Estadual pelo PCdoB, também falou em construir unidade, “juntar forças, construir unidade em um movimento para barrar o golpe das eleições indiretas”. Ele fala em “barrar a entrega das riquezas deste país”, e, sobre a reforma da previdência, diz que Michel Temer é um “canalha que aos cinquenta anos se aposentou. Só os ingênuos pensaram que o golpe foi contra a corrupção”, disse Carrión.

A concentração segue até o final da tarde, quando, às 18h, o ato se inicia na Esquina Democrática.

Transcrito de http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Pela-renuncia-de-Temer-e-por-eleicoes-diretas-manifestantes-ja-se-reunem-na-Esquina-Democratica/4/38132

'Diretas, já!' ou 'Diretas, nunca!

19.05.2017

Como ocorreu no final da ditadura, as elites fazem qualquer coisa para não
entregar a transição de um ciclo de desenvolvimento que se esgotou ao voto popular

Saul Leblon

O noticiário contraditório que oscila entre o descarte de Temer e a sua manutenção --como um vigia bêbado do precipício ao qual o país foi reduzido pela irresponsabilidade golpista das suas elites, evidencia a saturação das ferramentas conservadoras.

Mas não deve iludir: a elite golpista sabe onde quer chegar, embora deixe transparecer a saturação dos meios à sua disposição.

Se preciso, pode até levar ao sacrifício algumas peças para afiar a guilhotina desgastada e decepar os direitos políticos de Lula; colocar Meirelles ou Gilmar no comando do Estado e concluir as reformas que revogam o escopo de direito sociais e trabalhistas da Carta de 1988.

Feito o trabalho sujo, a nação iria às urnas dentro de um ano e meio desprovida de lideranças reais, eviscerada de músculos e instrumentos institucionais para sair do chão.

Em resumo, com alguma hesitação e riscos inerentes, tenta-se ganhar tempo e espaço político para concluir a operação central do golpe: lancetar o pacto da sociedade nascido sob o impulso da extraordinária ascensão das massas populares na cena política de 1984, com a Campanha das 'Diretas, Já!'.

A exemplo do que ocorreu naquele final da ditadura, a elite e os interesses dominantes topam agora qquer coisa. Menos entregar a transição de um ciclo de desenvolvimento que se esgotou ao voto popular.

'Diretas, nunca!', bradam as escaladas sulforosas dos telejornais e o jogral diuturno dos jornalões.

Nos anos 80 o clamor por eleições limpas e diretas foi golpeado de dentro do palanque das mobilizações.

Enquanto as praças lotavam em comícios com mais de um milhão de pessoas, como o de abril de 1984 em São Paulo, Tancredo Neves negociava com os militares a candidatura ao Colégio Eleitoral, que garantiria uma transição a frio, como se quer agora.

A Constituinte de 1988 foi o repto das ruas traídas pelo avô de Aécio Neves.

Na assembléia soberana desaguaram, então, as demandas reprimidas e os clamores sufocados por duas décadas de ditadura militar, fraudados após as mobilizações das ‘Diretas Já'.

A Constituição Cidadã vingou em parte a derrota popular no Colégio Eleitoral.

Abrigou-se nela aquilo que  Ulysses Guimarães, o 'Senhor Diretas', um liberal sincero --apunhalado por Tancredo que lhe roubou a candidatura, aceitando o pacto conservador-- batizaria de 'a lamparina dos desgraçados'.

É essa lamparina de direitos dos desgraçados --bruxuleante até que o ciclo de governos do PT lhe deu o pavio de recursos para se materializar em políticas sociais-- que se pretende apagar agora com o extintor das 'reformas de mercado'.

Por isso as instituições estão em frangalhos e desmoralizadas.

Do Executivo ao Legislativo, dominado por uma escória argentária, passando por um judiciário partidarizado, longe de ser confiável como suprema instância, o dinheiro dá as cartas e os cortes.

O resultado desenha uma cova coletiva no perímetro social, econômico e geopolítico da oitava maior economia da terra.

Um em cada quatro brasileiros estão desempregados ou subocupados.

Em 52% dos lares há algum demitido ou dívida atrasada, diz pesquisa da Nielsen.

A retração de 50% nas consultas para tomada de recursos no BNDES compõe o indicador antecedente da rota depressiva de longo curso lavrada pela ganância patronal nas entranhas da economia.

A Lava Jato venceu seu prazo de validade como biombo para o assalto dos corruptos ao poder em nome do combate à corrupção.

A cada dia mais exala da República de Curitina o cheiro podre do viés unilateral. Dependesse de Moro & seus procuradores, nem Aécio,nem Temer seriam flagrados na radiografia do que são e do complô que simbolizam.

É preciso mudar para manter as coisas no mesmo lugar.

É nesse trânsito farsesco patrocinado pelas elites que a rua emerge como o único chão firme de legalidade e poder num país acuado no presente e desprovido de futuro.

Retornar à legalidade original das ruas sempre foi o último recurso dos povos para virar a página de enredos anacrônicos que insistem em sobreviver como formas mórbidas.

É o caso hoje de uma sociedade submetida à cavalgada de um governo antinacional e antissocial e à retroescavadeira de um parlamento de despachantes de aditivos a soldo dos mercados.

O chão firme das ruas precisa se materializar em multidões mobilizadas e no consentimento majoritário catalisado por um programa de emergência capaz renovar a confiança na democracia para dar ao desenvolvimento a sua destinação social.

É nessa encruzilhada de desafios que avulta a urgência de uma fusão entre a ‘crítica das armas e as armas da crítica’, de que nos falava um especialista alemão em motores da história.

O desafio primal dos dias e noites tensos que viveremos pode ser resumido na construção dessas linhas de passagem.

Que materializem o peso das ideias na força das ruas, e o peso das ruas em ideias-força, para superar o cativeiro econômico e institucional no qual as elites querem aprisionar o Brasil.

O Fórum 21, a frente ampla dos intelectuais brasileiros, deve caminhar nessa direção. E as lideranças das frentes populares, igualmente.

O tempo urge.

As ruas precisam falar.

E o que disserem deve ter a pertinência capaz de repactuar a nação com um novo projeto de futuro.

Transcrito de http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/-Diretas-ja-ou-Diretas-nunca-/38134