Amanda Mont’Alvão Veloso
Uma vida ordinária, comum, seria desinteressante?
O cinema e a literatura, de maneira bastante delicada, nos mostram que é bem o contrário disso.
Na comédia romântica Questão de Tempo (About Time, 2013), o personagem de Domhnall Gleeson descobre que herdou do pai a possibilidade de voltar no tempo. Ele explora o dom sempre que os ventos não conspiram a seu favor, corrigindo situações e convertendo (quase) tudo em vitória.
John Marcher, o protagonista do romance A Fera na Selva, de Henry James (The Beast in the Jungle, 1903), passa anos esperando, angustiado, a chegada de um evento raro e estranho que mudaria a vida dele. A espera define a existência do personagem que, tão focado em aguardar o extraordinário, acaba sofrendo as consequências de não enxergar as possibilidades de direcionar a própria vida.
De olho no feed do Facebook, compartilhamos o que julgamos ser interessante, vibramos com conquistas de amigos, lamentamos derrotas ou tristezas, confirmamos presença em eventos e comparamos nossas vidas às vidas alheias. Somos tão felizes quanto? Estamos nos divertindo tanto quanto? Nosso dia foi tão agitado quanto o deles? Nossos bichinhos são tão inteligentes quanto? Nossos feitos são tão entusiasmantes quanto?
Hoje em dia, arrisco dizer que tais perguntas geralmente servem, para algumas pessoas, como filtro para se definir quão grandiosa ou empolgante é uma vida. A grande questão deveria ser: quem disse que uma existência comum, simples, ordinária, sem acontecimentos magníficos, não é extraordinariamente deliciosa e digna de lembranças? Ainda mais em um país em que o viver é luxo para aqueles que estão tentando meramente sobreviver a um rol de adversidades.
Claro que sobreviver é um objetivo muito pequeno para qualquer um de nós, capazes de idealizar acontecimentos e realizar sonhos. O que talvez a gente não perceba é que a cobrança de se ter uma vida monumental ou extraordinária pode nos cegar para todos os minutos imponentes, memoráveis e encantadores revelados em nosso dia a dia.
Depois de experimentar a morte de uma pessoa muito querida e de lidar com o incontornável, o protagonista de Questão de Tempo percebe que não há viagem no tempo que proporcione a felicidade de seu convívio com a mulher, os três filhos, a mãe, a irmã e o trabalho. A conclusão a que ele chega é emocionante, e todos nós podemos nos apropriar dela: “Eu simplesmente tento viver cada dia como se eu tivesse voltado no tempo para a data de hoje, como se fosse o último dia da minha vida extraordinariamente comum”.
Não encontramos esta cena legendada em português, mas vale assisti-la mesmo assim. Mas atenção, é a cena final!
Transcrito de http://www.brasilpost.com.br/2016/02/10/filme-questao-de-tempo-vida-ordinaria_n_9204046.html?ncid=tweetlnkbrhpmg00000002
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