Alex Castro
Existe gente que “leva jeito” pra leitura?
Gosto de ler livros densos, argumentativos, cheios de ideias, que refletem sobre nossa história, sobre nossos desejos, sobre nossa civilização. a grande conversa, enfim.
ler livros assim é como exercitar um músculo ou como aprender uma língua: quanto mais você faz, mais fácil fica.
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quando eu tinha 20 anos e li foucault pela primeira vez, seu estilo me pareceu difícil, palavroso, cabeçudo.
quando eu tinha 41 anos e li ou reli quatro livros do foucault, seu estilo já me pareceu fácil, fluente, gostoso.
(depois de ter encontrado o que eu estava procurando, ainda li mais dois livros dele por puro prazer.)
mudei eu ou mudei foucault?
ninguém “leva jeito” ou “tem o dom” de ler foucault: existem pessoas que escolhem consistentemente ler textos como os de foucault até o ponto que a leitura e absorção desses textos se torna não apenas mais fácil, como inclusive prazerosa.
(hoje, outros autores me parecem difíceis, palavrosos, cabeçudos: derrida, lacan, jung. estarei lendo jung por prazer daqui a vinte anos?)
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fui professor, em sala de aula, durante 18 anos, em cursos particulares, escolas do ensino médio e universidades, em dois países, ensinando três disciplinas, em três idiomas, para pessoas de dezenas de nacionalidades, de todas as classes sociais.
e nunca encontrei a tal mítica pessoa que “leva jeito”, “que tem o dom”, etc.
até acredito que ela exista. que nem todas nós conseguiríamos jogar bola como pelé, ou calcular raiz quadrada de cabeça como o menino que ganhou a olimpíada de matemática.
mas também acredito que:
1) se a pessoa decidir dedicar o seu tempo a isso, que qualquer uma de nós pode jogar futebol ou calcular raiz quadrada, cozinhar ou cerzir, decentemente bem.
(e isso não tem nada a ver com formulinhas bestas tipo a das dez mil horas.)
2) escolher dedicar-se a ler livros-densos -em-ideias não é significativamente diferente, melhor ou mais útil, do que escolher dedicar-se a jogar bola ou calcular raiz quadrada, a cozinhar ou a cerzir.
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dei aulas de inglês, espanhol, português, sempre como língua estrangeira.
como parte das aulas, eu estimulava as alunas a escolherem um livro de um tema que realmente gostassem, que não estivesse disponível em suas próprias línguas e que tentassem lê-lo na língua que estavam aprendendo.
e elas diziam:
“ah, mas eu não entendo nada. não adianta!”
e eu respondia:
“nunca vai chegar o dia em que você vai abrir o seu primeiro livro em uma língua estrangeira e magicamente entender tudo. o primeiro livro que você tentar ler em uma língua estrangeira talvez você só entenda 20% e lhe custe muito esforço. mas, graças a esse livro, talvez você consiga entender 30% do livro seguinte, e assim por diante. não tem atalho. não tem dia mágico. é um processo lento, um esforço consciente, uma escolha diária.”
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em outras palavras, não é foucault que é cabeçudo:
você é que não leu um número suficiente de livros-densos-em-ideias como os de foucault, porque escolheu não dedicar o seu tempo a essas leituras, e sim a outras coisas, e não tem nada de errado nisso, mas também não venha criticar foucault, pois ele não tem nada a ver com as suas escolhas.
Transcrito de Papo de Homem, 12/07/2016
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