Uma geladeira que não funcionava mais para refrigerar alimentos se transformou em um espaço para abrigar livros na Praça C-170 no Setor Jardim América, em Goiânia. Dois amigos desenvolveram a iniciativa para incentivar a leitura e facilitar o acesso a obras literárias. A proposta é que cada visitante pegue o livro que quiser, leia e o devolva à geladeira para que outras pessoas possam fazer o mesmo.
Um dos idealizadores do projeto, que ainda não tem nome, é o estudante de direito Mikhael Moraes, de 23 anos. Ele conta que já fazia algo parecido deixando livros em pontos de ônibus ou até em assentos do transporte coletivo de Goiânia, mas não sabia se realmente fazia algum efeito.
“Alguns livros que eu terminava de ler eu deixava no ponto para alguém ler. Deixava no banco mesmo e saía na esperança de que alguém pegasse, mas eu não tenho ideia se realmente as pessoas levavam. Uma vez eu deixei o livro e fui entrar no ônibus. Uma senhora tentou me alertar achando que eu tinha esquecido e eu disse: ‘Não, o livro é seu, pode levar’. Ela ficou com ele, foi o mais próximo que eu vi de retorno”, afirmou ao G1.
A proposta da geladeira, segundo Moraes, é permitir que o maior número de pessoas tenha oportunidade de ter contato com a leitura e possa desfrutar dos benefícios que ela proporciona.
“A leitura estimula a memória. Esse contato com os livros estimula a interpretação de texto. Com a prática da leitura as pessoas exercitam o cérebro e se sentem estimuladas, além do contato com a literatura estimular a criatividade e expandir o conhecimento cultural”, pontuou.
Outro organizador do projeto, o estudante de história Rodrigo Costa Carneiro, de 25 anos, conta que não teve tanto estímulo para leitura quando criança e que gostaria de proporcionar isso para outras pessoas. “Muita gente não tem muito acesso a biblioteca, não tem grana para comprar um livro e no nosso meio a gente não teve essa cultura de ler, não me instigavam a ler. Eu queria de alguma maneira instigar isso, levar conhecimento”, disse ao G1.
Iniciativa
Moraes relata que não sabe exatamente de onde a ideia de usar a geladeira surgiu, mas sabe que outras pessoas já tinham colocado a proposta em prática. “Teve uma menina que contou que fez isso uma vez em outro bairro e roubaram a geladeira. Já vi também uma senhora que deixa uma com livros na frente do comércio dela em Aparecida de Goiânia. Mas sei que em outras cidades do Brasil as pessoas fazem isso, em Curitiba, São Paulo, Brasília sei que têm em espaços públicos”, lembrou.
A preparação envolveu encontrar uma geladeira que não servisse mais para ser transformada em uma “estante solidária”. Carneiro contou que um parente fez a doação para que eles colocassem a ideia em prática.
“A gente estava pensando em algo viável para a periferia e surgiu a ideia da geladeira. Achei legal, entrei em contato com um tio meu que trabalha com refrigeração e que tem geladeira sucateada e ele me cedeu uma. Juntamos com um amigo nosso que faz empreendedorismo social e que grafita e ele fez o visual da geladeira. Arrecadamos livros publicando nas redes sociais e no boca a boca”, disse.
Moraes contou que, junto com o amigo, eles tentaram fazer algo para impedir que a geladeira pudesse ser mudada de lugar, mas as tentativas acabaram atrasando o projeto.
“A gente tinha medo que alguém roubasse, então pensamos em soldar ela ao chão. Falamos com vários serralheiros e todos falavam que era algo muito complicado. Ficamos meses tentando arrumar uma solução até que desistimos e resolvemos levar a geladeira com os livros sem isso e arriscar”, disse.
Segundo Moraes, a primeira experiência aconteceu no dia 11 de junho e foi um sucesso. Tanto ele quanto o colega ficaram surpresos com a rapidez em que o projeto atraiu as pessoas.
“Nós colocamos e sentamos nos bancos para esperar e ver o resultado. Apareceram algumas pessoas, uma criança, a mãe dela e uma tia, uma senhora idosa. Quando a gente viu uma senhora pegando o livro e sentando no banco para ler, a gente falou: 'Poxa, se alguém carregasse essa geladeira hoje, o projeto já teria cumprido o seu objetivo’”, recordou.
Quase um mês depois, a geladeira continua na praça. Os organizadores afirmam que estão felizes com o resultado porque viram que as pessoas pegaram a maior parte dos livros que eles arrecadaram e ainda estão contribuindo.
“A gente tinha colocado ela [geladeira] em outro local aqui da praça. Quando nós voltamos, os moradores tinham colocado em um lugar que achavam que era melhor. A gente ficou muito feliz com isso porque nós vimos que a própria comunidade estava apropriando do projeto. As doações não param. Grande parte dos livros que nós colocamos já saiu e a geladeira está se mantendo com as doações da própria comunidade”, disse Moraes.
Público
A desempregada Ediane Alves da Silva, de 27 anos, afirmou que já veio com o filho de 5 anos mais de uma vez buscar livros na geladeira e da última vez levou também a sobrinha, de 8 anos. “A gente vem aqui em um dia, pega e devolve no outro. É muito bom ter isso aqui, tem Bíblia, tem livros para crianças. Além disso, todo curioso vem olhar e acaba pegando algo para ler”, afirmou.
A estudante Luane dos Santos, de 13 anos, contou que já leu cinco livros da geladeira. “É bom para a gente poder conhecer outras palavras, praticar a leitura. Serve para a gente aprender cada vez mais coisas e ainda interagir com quem encontrar aqui”, comentou.
O designer gráfico Jefferson das Graças, de 28 anos, acabou se deparando com a geladeira cheia de livros por causa da filha de 4 anos. “Acho que é interessante, se o pessoal conservar como está, é bem legal. Ela ainda não lê, mas leio para ela de vez em quando. É importante ter contato com livros, hoje em dia as pessoas só ficam na internet”, avaliou.
Regras
Os organizadores explicaram que é possível pegar qualquer livro e ficar com ele quanto tempo precisar, mas ressaltam que é importante devolver a obra (veja o vídeo abaixo). Para quem quiser doar é possível deixar a doação no local ou entrar em contato com os organizadores para que eles avaliem e levem os livros para a geladeira.
Ainda conforme os idealizadores, o espaço é principalmente para livros literários ou práticos, como estudo de finanças ou motivacionais. Eles pedem que sejam evitados livros didáticos porque eles ocupam muito espaço e podem estar desatualizados, além de não terem muita rotatividade.
Transcrito de Vanessa Martins - G1 - 05/07/2016
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