sexta-feira, 1 de julho de 2016

Flip admite falta de participantes negros e cita recusa de Mano Brown

De um lado, o elogio pelo número recorde de mulheres, elas são quase metade dos convidados (17 autoras de um total de 39 participantes). De outro, a crítica pela completa ausência de escritores negros (e mais especificamente escritoras negras) entre os anunciados para os debates.

Antes mesmo começar, o que acontece na noite desta quarta-feira (29), a 14ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) ganhou, ao mesmo tempo, aplausos e observações negativas.

Sobre as críticas, o curador do evento pelo terceiro ano consecutivo, Paulo Werneck, diz reconhecer a lacuna. "Fica como uma falha da programação, que nós reconhecemos e nos engajamos em resolver", diz em entrevista ao G1 por telefone.

"Assim como resolvemos a questão das mulheres, na medida da nossa possibilidade. Mas não podemos resolver sozinhos." Ele observa que faltam negros não só no palco, mas também na plateia da Flip.

Giovana Xavier, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgou uma carta-aberta (clique aqui para ler) para expressar sua "indignação frente a ausência de autoras negras" na programação da Flip. O texto foi divulgado após a entrevista com Werneck. O G1 procurou a assessoria da festa literária e acrescentará seu posicionamento sobre o manifesto assim que o receber.

Mano Brown, Paulinho da Viola e Elza Soares recusaram

O curador da Flip lista os nomes (tanto da literatura e de outras áreas, como é tradição no evento) que recusaram o convite. Um deles foi Mano Brown, do Racionais MC's. "Tivemos uma conversa que durou quatro meses, envolveu muitas pessoas que trabalharam com ele, quase conseguimos", lamentou Werneck. Outra tentativa foi Paulinho da Viola: "Fiquei no pé dele pela segunda vez consecutiva, mas não deu". A cantora Elza Soares também passou perto.

"Mandei o convite oficial a todos eles, por carta, e recebi resposta negativa. Então é isto: a programação é resultado dos convites que são aceitos", justifica Werneck.

De acordo com ele, outras recusas vieram da célebre escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie; da escritora senegalesa Fatou Diome; do jornalista e ensaísta americano Ta-Nehisi Coates, autor do elogiado "Entre o mundo e eu" (uma "carta" ao filho em que da violência contra a população negra nos EUA); do astrofísico americano Neil deGrasse Tyson; da escritora e dramaturga francesa de origem senegalesa Marie NDiaye; e do premiado arquiteto Diébédo Francis Kéré, de Burkina Faso.

Flip acusada de 'Arraiá da Branquidade'

Na carta de Giovana Xavier, da UFRJ, divulgada dois dias antes do início da Flip 2016, a acadêmica cita sua "indignação frente a ausência de autoras negras" na programação. Ela diz ser uma das criadoras da campanha #vistanossapalavraflip2016.

"A não procura de palnos a, b, c diante destas supostas recusas [de autores negros] relaciona-se à falta de compromisso político da Flip com múltiplas vozes literárias nacionais e internacionais", escreveu no texto.

"Este silenciamento do nosso existir em uma feira que se reivindica cosmopolita, mas está mais para Arraiá da Branquidade, insere-se no passado-presente de escravidão, no qual a Mulher Negra é representada, vista e tratada como um corpo a ser dissecado."

'Sangue negro nas ruas de pedra de Paraty'

Ao falar na entrevista ao G1 sobre a baixa quantidade de negros entre o público da Flip, Paulo Werneck se lembra de um dos astros da edição de 2015, o escritor queniano Ng?g? wa Thiong'o, já cotado para o Nobel de literatura.



Em vários momentos de sua estadia em Paraty, Thiong'o elogiou a cidade mas repetiu que escravos africanos que carregaram as pedras do calçamento do centro histórico ("sangue africano, sangue negro foi derramado para criar esta beleza"). O autor também comentou ter visto poucas pessoas negras circulando pela região.

"A própria plateia da Flip tem essa mesma característica do Brasil", compara Werneck. "O país ainda está democratizando seu universo de leitura. A universidade brasileira, há pouco tempo, começou a ter uma nova cara, e acho que esse movimento vai chegar na Flip – na plateia da Flip. Mas é um processo em que temos de trabalhar juntos para que seja superado."

Veja, abaixo, a programação da Flip 2016

Quarta-feira, 29 de junho
Sessão de abertura: "Em Tecnicolor", às 19h
Com Armando Freitas Filho e Walter Carvalho

Sessão do documentário "Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície", de Walter Carvalho, às 19h45

Sarau, às 21h45
Autores selecionados entre todas as programações da Flip

Quinta-feira, 30 de junho
Mesa 1 – "A teus pés", às 10h
Com Annita Costa Malufe, Laura Liuzzi e Marília Garcia

Mesa 2 – "Cidades refletidas", às 12h
Com Francesco Areri e Lúcia Leitão

Mesa 3 – "Os olhos da rua", às 15h
Com Caco Barcellos e Misha Glenny

Mesa 4 – "Histórias naturais", às 17h15
Com Álvaro Enrique e Marcílio França Castro

Mesa 5 – Matéria cinzenta, às 19h30
Com Henry Marsh e Suzana Herculano-Houzel

Mesa 6 – "Na pior em Nova York e Edimburgo", às 21h30
Com Bill Clegg e Irvine Welsh

Sexta-feira, 1º de julho
Mesa 7 – "Breviário do Brasil", às 10h
Com Benjamin Moser e Kenneth Maxwell

Mesa 8 – "A história da minha morte", às 12h
Com J.P. Cuenca e Valeria Luiselli

Mesa 9 – "O show do eu", às 15h
Com Cristian Dunker e Paula Sibilia

Mesa 10 – Encontro com Karl Ove Knausgård, às 17h15

Mesa 11 – "Moxórdia de temáticas", às 19h30
Com Ricardo Araújo Pereira e Tati Bernardi

Mesa 12 – "Sexografias", às 21h30
Com Gabriela Wiener e Juliana Frank

Sábado, 2 de julho
Mesa 13 – Encontro com Leonardo Fróes, às 10h

Mesa 14 – "De Clarice a Ana C", às 12h
Com Benjamin Moser e Heloisa Buarque de Hollanda

Mesa 15 – Encontro da arte com a ciência, às 15h
Com Arthur Japin e Guto Lacaz

Mesa 16 – Encontro com Svetlana Aleksiévitch, às 17h15

Mesa 17 – "O falcão e a fênix", às 19h30
Com Helen Macdonald e Maria Esther Maciel

Mesa 18 – "O palco é a página", às 21h30
Com Kate Tempest e Ramon Nunes Mello

Domingo, 3 de julho
Mesa 19 – "Síria mon amour", às 10h
Com Abud Said e Patrícia Campos Mello

Mesa 20 – Mesa 21 – "Sessão de encerramento: Luvas de pelica", às 14h
Com Sérgio Alcides e Vilma Arêas

Mesa 21 – Livro de cabeceira, às 16h
Autores convidados leem trechos de seus livros favoritos

Ingressos
A partir desta quarta-feira (29) de junho, é possível comprar apenas na bilheteria da Flip, em Paraty, que fica na Tenda dos Autores e vai funcionar de quarta a sábado das 9h às 22h e no domingo das 9h às 15h.

Transcrito de G1 - 29/06/2016

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