Carlos Andrei Siquara
Nem sempre comprar um livro é apenas um ato de consumo. O escritor e chargista mineiro Max Velati, por exemplo, entende essa prática também como uma espécie de “ritual”, que vai além da troca de dinheiro por uma obra. “Isso é muito pouco comparado com o que acontece quando você sai de casa sem saber, às vezes, qual exemplar pretende achar, nem qual autor você quer ler”, observa ele.
Os lugares onde esse tipo de busca e descoberta são mais viáveis de acontecer, para ele, são as livrarias. “Nelas nós conseguimos ter acesso a todas essas informações que precisamos, e lá podemos encontrar também outras pessoas que se guiam por esses impulsos e estão ali em busca de inspirações. A livraria cumpre o papel de ser o centro dessas experiências”, completa ele.
Porém, constantemente, novos desafios têm sido colocados a esses espaços que lutam para manter as portas abertas. Um deles é a concorrência com as vendas via internet, que oferecem produtos, muitas vezes, num preço inferior ao mínimo praticado nesses estabelecimentos. Em razão disso, entre outros fatores, vem se diminuindo a quantidade de livrarias, na capital mineira. A Mineiriana, por exemplo, encerrou as atividades em 2015, e mais recentemente, a Leitura, localizada na avenida Cristóvão Colombo, na região da Savassi, também anunciou o seu encerramento.
No entanto, há outras como a Quixote, a Scriptum e a Ouvidor, que têm tentado se manter na contramão desse movimento. Para leitores e frequentadores, a exemplo do médico João Baptista Magro Filho, a permanência delas é fundamental, pois permitem que constantemente sejam criadas ou reforçadas conexões não só com a leitura, mas entre as pessoas que circulam nesses ambientes.
“O que buscamos numa livraria acho que é justamente a possibilidade de manter alguns laços que ela nos possibilita construir. Esses podem se apresentar inicialmente no momento em que se abre um livro ou também quando temos a possibilidade de dialogar com alguém. Penso, por exemplo, em Bartolomeu Campos de Queirós, que aparecia na Quixote, ouvia todo mundo, comentava um livro, falava de outro que estava escrevendo e, por fim, nos abençoada a todos”, frisa Magro Filho.
Com suas características específicas, cada uma dessas três livrarias citadas será abordada a seguir individualmente. Dos cafés, encontros ao investimento em publicações, cada uma delas mostra porque a rua Fernandes Tourinho, onde todas estão localizadas, se tornou o principal destino de livreiros e leitores da cidade.
Presença frequente de diferentes turmas
Semanalmente, a escritora Staël Gontijo vai até a livraria Quixote, um dos seus lugares preferidos para sentar, escrever anotações e desfrutar de uma boa leitura, na capital mineira. “Eu brinco com Alencar (Perdigão, proprietário) que eu vou tomar essa livraria por usucapião porque eu venho aqui demais”, conta ela, que estava no espaço na segunda-feira (16), embora conte que costuma transitar pelo local mais à terças-feiras.
“Aqui há algumas turmas, e cada uma tem um dia para vir. Mas, ao mesmo tempo, não são grupos fechados. Se você sentar sozinho e quiser bater um papo com quem estiver aqui no dia, vai ter espaço para falar de livro, literatura, do assunto que quiser. Eu venho mais às terças-feiras no final de tarde, mas, às vezes, apareço também na segunda ou numa sexta. Isso é tão constante que meu marido me liga e diz assim: ‘você está no seu escritório’ e, quando eu respondo ‘sim’, ele já sabe que estou aqui”, ri Gontijo.
Nessa mesma tarde, apareceram as estudantes Alfonsina Carlis e Amy Gibson, que são, respectivamente, do Uruguai e do Reino Unido. Em viagem pelo país, elas contaram que procuravam um ambiente em Belo Horizonte onde pudessem ler um pouco e conversar. Entraram no Google e decidiram pela Quixote.
“Nós queríamos um momento para ler, interagir com outras pessoas e descobrir coisas diferentes”, diz Gibson. Carlis, por sua vez, ressaltou que optou pela livraria pela variedade de informações. “É como se tivéssemos aqui a oportunidade de conhecer centenas de cidades no mesmo espaço, que nos permite explorar tudo isso”, acrescenta.
De acordo com Alencar Perdigão, fundador da Quixote há 13 anos, essa circulação e de frequência de pessoas no local acontece da maneira como ele havia imaginado desde o início, o que considera muito positivo. Contudo, hoje, percebe que a livraria precisa se reinventar para prosseguir na ativa.
“No momento eu noto que é necessária uma mudança, porque nos últimos anos as coisas mudaram bastante. Os lançamentos, que acontecem aos sábados, foram aumentando cada vez mais, enquanto a concorrência na venda de livros vem se acirrando. A grande ameaçadora hoje é a internet. Isso me obriga a repensar o negócio e eu acho que nós também precisamos de leis que regulem a venda do livro, tendo em vista a importância das livrarias de rua, que não deixa de ser um patrimônio da cidade, justamente por serem espaços de encontro”, diz. (CAS)
Transcrito de http://www.blogdogaleno.com.br/2016/05/25/livrarias-de-rua-de-belo-horizonte-resistem-como-pontos-de-encontro
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