Elas são amigas, têm apenas 10 anos e respondem com segurança sobre suas preferências: brincar, ler e jogar no tablet ou no celular. A leitura – que normalmente não está no topo das escolhas da criançada – é vista pelo grupo de meninas com prazer e alegria. Há dois anos, elas participam de um encontro mensal que apelidaram de “ciranda do livro”. As garotas leem uma obra e se reúnem para trocar histórias e exemplares, tal qual uma ciranda.
Sentada em roda com as companheiras, Helena Coutinho foi a última a descrever e analisar o conteúdo escolhido por ela: “O Caso da Borboleta Atíria”. “É a história de uma borboleta que nasceu sem um pedaço da asa e foi cuidada por uma minhoca. Fala sobre seguir em frente mesmo diante dos desafios (...)”, explicou.
O livro de Helena foi o que mais fez sucesso naquele encontro entre as meninas, que precisaram decidir no “dois ou um” quem leria a obra na rodada seguinte. Até que a garota proferiu o consolo: “Calma gente, vão ter outras cirandas, e todas poderão conhecer o caso da borboleta”, afirmou.
Elas adotaram agora os livros da série Vaga-Lume, que as mães leram na adolescência. Antes, as meninas se interessavam mais pelos vários volumes do “Diário de uma Garota Nada Popular”, de “Judy Moody” e por outros do tipo, que prendiam a atenção delas.
O “clube da leitura” – como os pais chamam o projeto –, surgiu por iniciativa de duas mães. O propósito era estimular o gosto pelos livros. “Eu percebi que minha filha não via graça na leitura. Nada que eu fazia adiantava”, expôs a servidora pública Raquel Cristina de Sousa, 39.
Outra mãe, Adriana Souza, 43, contou que a filha mais velha, de 15 anos, já havia participado de encontros de leitura. Logo, as duas trocaram ideias com mais mães, e o primeiro encontro aconteceu em março de 2014 com seis meninas que tinham, na época, 8 anos e estudavam na mesma escola.
Interesse. Atualmente, são oito garotas – nem todas estudam juntas mais – e tem até “fila de espera” para entrar no clube. “Outras meninas querem entrar, mas não dá para ter mais gente, porque os encontros são nos apartamentos de cada uma, e é difícil controlar esse tanto de crianças juntas”, disse a advogada Angélica Miranda, 31.
No dia da ciranda de livros, as amigas leitoras também lancham e brincam como crianças. Empolgadas falam muito e ao mesmo. Todas querem contar suas histórias. “Hoje, minha filha adora ler. Ela busca os livros na biblioteca, pega emprestado ou pede para comprar. O clube mudou muito a visão da minha pequena”, testemunhou Raquel, cheia de orgulho. Então, fica a dica para hoje, 18 de abril, quando se comemora o Dia Nacional do Livro Infantil.
Obrigação
Diferença. No colégio, as meninas são obrigadas a ler mais de 30 livros por ano, mas, nas palavras delas, “ler os livros que a escola obriga é chato, porque tem que fazer resumo, e não dá prazer como na ciranda”.
Projeto reduz erros de português e ensina lições
As próprias meninas demonstram a transformação literária em suas vidas com o clube: diminuíram muito os “x” (de erros ortográficos) que tinham nas provas”; “agora, leio melhor (em voz alta) na frente da sala”; “a gente aprende muitas lições, esse livro fala que mentira é ruim, o outro, que devemos ter cuidado com as informações que divulgamos”, citaram quase que sincronizadamente.
A professora da Faculdade de Educação da UFMG Célia Abicalil diz que o contato com as palavras faz com que se internalizem as estruturas complexas da língua portuguesa. “A gente pensa que a escola é o grande mediador da leitura, mas, quando os pais são bons mediadores, a leitura se torna uma forma dos filhos compreenderem melhor o mundo, e o incentivo começa com 0 ano”.
Joana Suarez - O Tempo - 18/04/2016
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