sexta-feira, 22 de abril de 2016

A crise brasileira e a geopolítica mundial

Leonardo Boff*
         
Seria errôneo pensar a crise do Brasil apenas a partir do Brasil. Este está inserido no equilíbrio de forças mundiais do âmbito na assim chamada nova guerra fria que envolve principalmente os EUA e a China. A espionagem norte-americana, como revelou Snowden atingiu a Petrobrás e as reservas do pré-sal e não poupou até a presidenta Dilma. Isto é parte da estratégia do Pentágono de cobrir todos os espaços sob o lema: ”um só mundo e um só império”. Eis alguns pontos que nos fazem refletir.

No contexto global há uma ascensão visível da direita no mundo inteiro, a partir dos próprios EUA e da Europa. Na América Latina está se fechando um ciclo de governos progressistas que elevaram o nível social dos mais pobres e firmaram a democracia. Agora estão sendo assolados por uma onda direitista que já triunfou na Argentina e está se pressionando todos os países sul-americanos. Falam, como entre nós, de democracia mas, na verdade, querem torná-la insignificante para dar lugar ao mercado e à internacionalização da economia.



O Brasil é o principal atingido e o impedimento da presidenta Dilma é apenas um capítulo de uma estratégia global, especialmente das grandes corporações e pelo sistema financeiro articulado com os governos centrais. Os grandes empresários nacionais querem voltar ao nível de ganho que tinham sob as políticas neo-liberais, anteriores a Lula. A oposição à Dilma e o apoio ao seu impedimento possui um viés patronal. A Fiesp com o Skaf, a Firjan, as Federações do Comércio de São Paulo, a Associação Brasileira da Indústria Eletrônica e Eletrodoméstica (Abinee), entidades empresariais do Paraná, Espírito Santo, Pará e muitas redes empresariais estão já em campanha aberta pelo impedimento e pelo fim do tipo de democracia social implantada por Lula-Dilma.

A estratégia ensaiada contra a “primavera árabe” e aplicada no Oriente Médio e agora no Brasil e na América Latina em geral   consiste em desestabilizar os governos progressistas e alinhá-los às estratégias globais como sócios agregados. É sintomático que em março de 2014 Emy Shayo, analista do JB Morgan, coordenou uma mesa redonda com publicitários brasileiros ligados à macroeconomia neoliberal com o tema: ”como desestabilizar o governo Dilma”. Armínio Fraga, provável ministro da fazenda num eventual governo pós-Dilma vem do JB Morgan (cf.blog de Juarez Guimarães, ”Por que os patrões querem o golpe”).




Noam Chomski, Moniz Bandeira e outros advertiram que os EUA não toleram uma potência como o Brasil no Atlântico Sul que tenha um projeto de autonomia, vinculado aos BRICS. Causa grande preocupação à política externa norte-americana a presença crescente da China, seu principal contendor, pelos vários países da América Latina, especialmente e no Brasil. Fazer frente a outro anti-poder que significam os BRICS implica atacar e enfraquecer o Brasil, um de seus membros com uma riqueza ecológica sem igual.o mal

Talvez o nosso melhor analista da política internacional, Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de “A segunda Guerra Fria – geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos” (Civilização Brasileira 2013) e o deste ano “A desordem internacional” (da mesma editora) nos ajude a entender os fatos. Ele trouxe detalhes de como  agem os EUA: ”Não é só a CIA… especialmente as ONGs financiadas pelo dinheiro oficial e semi-oficial como a USAID, a National Endwoment for Democracy, atuam comprando jornalistas e treinando ativistas”. O The Pentagon´s New Map for War & Peace enuncia as formas de desestabilização econômica e social através dos meios de comunicação, jornais, redes sociais, empresários e infiltração de ativistas. Moniz Bandeira chega a afirmar: “não tenho dúvida de que no Brasil os jornais estão sendo subsidiados… e que jornalistas estão na lista de pagamento dos órgãos citados acima e muitos policiais e comissários recebem dinheiro da CIA diretamente em suas contas” (cf. Luis Nassif Jornal GGN 09.03.06).




Podemos até imaginar quais seriam esses jornais e os nomes de alguns jornalistas, totalmente alinhados à ideologia desestabilizadora de seus patrões.

Especialmente o pré-sal, a segunda maior jazida de gás e de petróleo do mundo, está na mira dos interesses globais. O sociólogo Adalberto Cardoso, da UERJ, numa entrevista à Folha de São Paulo (26/04/2015), foi explícito: “Seria ingenuidade imaginar que não há interesses internacionais e geopolíticos de norte-americanos, russos, venezuelanos, árabes. Só haveria mudança na Petrobras se houvesse nova eleição e o PSDB ganhasse de novo. Nesse caso, se acabaria o monopólio de exploração, as regras mudariam. O impeachment interessa às forças que querem mudanças na Petrobrás: grandes companhias de petróleo, agentes internacionais que têm a ganhar com a saída da Petrobrás da exploração de Petróleo. Parte desses agentes quer tirar Dilma”.


Não estamos diante de um pensamento conspiratório, pois já sabemos como agiram os norte-americanos no golpe militar em 1964, infiltrados nos movimentos sociais e políticos. Não é sem razão que  a quarta frota norte-americana do Atlântico Sul está perto de nossas águas. Devemos nos conscientizar  de nossa importância no cenário mundial, resistir e buscar o fortalecimento de nossa democracia, para que  represente menos os interesses das empresas  e mais as demandas tão olvidadas de nosso povo, e na construção de nosso próprio caminho rumo ao futuro.

* Articulista do Jornal do Brasil online e escritor

Nenhum comentário: