O século XXI inicia-se sob a égide da tecnologia e do acesso à Informação.
Moeda social de fácil circulação, a informação abunda em diferentes meios e suportes. Partilhada, compartilhada, inventada, emendada, negociada é exposta como sendo "direito" de todos.
Em sua origem, seria algo muito interessante.
Mas infelizmente o acesso irrestrito e em profusão de informação longe de representar um ativo, é em muitos casos um passivo de difícil gerência.
Um simples zapping nos canais de noticias (incluem-se aí: rádios, TVs e mesmo portais informativos), para alguns, nos fará notar um único diagnóstico: a imprensa vem sofrendo do que poderiamos chamar de crise de inteligência. A forma como tudo é apresentado: simplista e maniqueistamente nos faz pensar sobre, afinal qual seria o papel do jornalista de carreira.
Em sua maioria vemos uma rasa superficialidade, onde a ausência de uma reflexão ou aprofundamento de um fato simplesmente não existem. A obviedade de todas as construções chamam a atenção. Calcada em quase boatos, factoides, o jornalismo tende a nos fornecer construções folhetinescas. Deficiências primárias de contextos, estudo e análises.
Boas perguntas deveriam ser matrizes para boas respostas. Mas se aquele que deveria saber perguntar não o faz por não saber ou não querer, como obterá bons resultados?
A trama construtiva em cada um dos casos ganha o uso de bordões, chavões que massacram ouvidos e compreensões numa nítida tentativa de impor-se como uma única via e como tal, sem possibilidades de questionamentos e confrontos.
A fragilidade discursiva se coloca ao mesmo tempo em que nitidamente vê-se o impositivo de explicações maniqueístas de vida e de mundo, em especial nas temáticas com viés político e econômico. Numa teatralidade igualmente carente de brilho e talento, repórteres, âncoras e jornalistas tentam atrás de teleprompters convencer os que estão do outro lado da seriedade de seu relato ou gravidade de suposições, através de gestuais e franzidos de testa. Como se credibilidade se construísse por teatro e jogo cênico!
Frases quase sempre construídas com verbos como "teria dito, teria falado, teria visto" poluem textos, turvam mentes e são apenas fumaça que serve apenas para nebular os sentidos.
Alçados em mediadores entre "fato e interpretação", tal impressa monotômica reduz perspectivas, banaliza interpretações, reduz possibilidades. Oferece-nos um mundo monocromático e patinado.
Reduzido em matizes, possibilidades e interpretações.
Tal quadro vem se agravando de forma assustadora.
Se pesquisarmos jornais dos séculos XIX e XX veríamos que os principais articulistas, cronistas e jornalistas eram homens de letras. Faziam escola na escrita de textos construídos com rigor e maestria. Muitos eram de fato obras-primas. O bom português era cultivado e aprendido. Os artigos eram construídos com rigor e responsabilidade. E mesmo sendo uma mídia partidarizada, os textos tinham sua virtude e encanto.
Mesmo quando a pauta era investigativa, os responsáveis iam fundo nisso. Checavam suas fontes e não deixavam nada a ser de fato investigado. Não calcavam-se em boataria de portas de presídios e corredores de fábricas e hospitais. Simplesmente investigavam. Hoje o que temos é vergonhoso.
A imprensa move-se e comporta-se de forma infantilizada e, em muitos casos irresponsavelmente coloca pessoas, reputações, vidas em lugares de injúria, difamação, equívocos e muitas mentiras.
Conduzem todos ao lugar maniqueísta de amor e ódio a ideias, pessoas, projetos. E é nítido que um discurso de ódio acaba sendo o que possui maior apelo: afinal atende de perto à satisfação imediata do maniqueísmo primordial humano.
O ódio é mais fácil ensinar que o amor porque ele (o ódio) dá um propósito imediato, sem qualquer esforço, enquanto o amor é nada além da bravura constante em face da incerteza total.
Tal estado de coisas, leva jornalistas, que de fato fazem jornalismo, a simplesmente parar tudo e refletir.
Nas palavras lúcidas de Luciano Martins Costa, ao se despedir do Observatório da Imprensa, depois de 15 anos de trabalho diário:
(...) Este observador vai interromper por tempo indeterminado suas análises diárias da imprensa brasileira através deste canal.
Os motivos que levam à interrupção desta jornada são muitos, entre os quais não é possível fazer uma hierarquia de relevâncias. Talvez fosse possível contornar alguns deles, mas há uma causa que não pode ignorada: não há muito mais o que se analisar na mídia informativa brasileira.
Os principais veículos da imprensa se transformaram em panfletos políticos e vasculhar o noticiário em busca de jornalismo que valha uma referência tem sido como buscar um fio de cabelo no palheiro.
...
A única pauta que interessa à mídia tradicional do Brasil é a agenda da desconstrução da aliança que controla o Poder Executivo desde 2003.
Mas essa é uma questão que os leitores atentos reconhecem em cada linha do noticiário, em cada expressão dramática nas faces dos apresentadores dos telejornais de maior audiência. Os demais – aqueles que tomam por verdadeiro tudo que sai na imprensa – seguirão repetindo a linguagem chula dos pitbulls que trucidam a língua culta e subvertem a narrativa jornalística.
...
Mas sabemos todos que, uma vez colocada a lente da crítica sobre a imprensa, você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito".
De outro lado, tais agentes panfletários encontram ouvidos e mentes, não de leitores (que supostamente deveriam saber ser críticos e não simplesmente tomar cada vírgula como verdade absoluta), mas do que o próprio Luciano Costa, chama de "midiotas".
Os midiotas são aqueles que tomam os relatos de forma bidimensional. Não são capazes de entender contextos e conexões de sentido. Faltam-lhe estofo e dimensões históricas, sociais, políticas. Não entendem o mundo como produto de relações que se tecem no tempo/espaço. Assim, mundo ganha ares apocalípticos. É o maniqueismo fundamentalista ganhando ruas e tendo nos midiotas um coro de rancores, preconceitos, xingamentos, e tudo o que de mais vil os meios de comunicação podem produzir. Tomam o que leem de forma literal e, pior do que tudo, reproduzem como chavões o pobre linguajar chulo de pitbulls. Em sua visão torpe acreditam estar fazendo crítica social!
Em verdade, são incapazes de articular um raciocínio crítico ao que lhes é exposto em quantidade por uma mídia hegemônica que pratica todo o tempo a desinformação como tática.
Estes midiotas desconhecendo as sutis distinções e matizes de pensamento do político, social, cultural conseguem posicionar-se mais frequentemente em meros termos moralistas e legalistas, de bem e mal absolutos. Afinal, é a forma mais rudimentar e primitiva de pensamento, a mais simples de todas.
Não sabem que entre um polo e outro há uma imensidão de nuances e perspectivas.
Não sabem que História não se escreve em dias ou horas para satisfazer desejos imediatos. Escreve-se no tempo, pelo tempo e sua face não se dá a conhecer apenas por meio de uma manchete sensacionalista.
E mais uma vez cito Luciano Martins Costa:
"A opinião pública(da), quando concentrada nas mãos de um cartel, possui grande poder de agendar e interditar debates ao gosto do dono da editoria. Esta distorção gera efeitos deletérios no processo democrático e de tomada de decisões (...) O viés conservador, predominante na mídia, martelado diariamente sobre as pessoas, induz a posicionamentos reacionários, defensivos e individualistas" (...) A sociedade é influenciada na medida em que um grande número de indivíduos perde a noção daquilo que é do interesse coletivo e das responsabilidades individuais na construção de uma sociedade (...) Como o interesse social é difuso, o discurso manipulador da mídia transforma facilmente o sentido dos fatos".
Sem saber "ler" as intenções deste ecossistema da comunicação, as vítimas tornam-se midiotas carimbados.
E assim seguimos observando escritos e leitores de um tempo onde a crise de inteligência midiática impera e uma fauna rica em equívocos prolifera. Tempos onde a massa de manobra é grande e não sabe para onde vai. Seguem amontoados movimentos de manada repetindo mantras, sem noções de passado, presente ou de qualquer perspectiva de futuro. Não entendem como o mundo e todo seu entorno é feito de contextos, muito mais complexos do que os apresentados no noticiário.
Que falta boas letras e leitores fazem!
Transcrito de http://pensadosatinta.blogspot.com.br/p/blog-page.html
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