Sebastião Nunes
Desde 2005, isto é, desde praticamente o início do governo Lula, o Brasil se orgulha de manter o maior programa de compras de livros literários do mundo. Através do PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola, milhões de exemplares são entregues anualmente às bibliotecas escolares de todo o país.
Foi assim de 2005 a 2013, quando mais de uma centena de editoras tiveram, a cada ano, livros selecionados e adquiridos nesse programa. As quantidades variavam de acordo com a faixa de escolaridade, da pré-escola ao ensino médio, mas nunca foram menores do que 11.000 exemplares e frequentemente ultrapassaram 35.000, de cada título. Um programa especial, o PNLD 2013 – Obras complementares, beirou os 100.000 exemplares de cada título selecionado.
A matriz desse programa foi possivelmente a aquisição anual de livros realizada pela prefeitura de Belo Horizonte, na gestão do então prefeito e atual ministro Patrus Ananias, que desde essa época, e passando por todos os prefeitos até Márcio Lacerda, foi mantida quase exatamente no formato da primeira edição. Desconheço o pai da ideia de distribuir, a cada aluno da rede pública um kit contendo dois exemplares de livros de literatura, além de material didático complementar, com cadernos, lápis e borracha. Mas que foi uma ideia extraordinária, não há dúvida alguma.
O EXEMPLO DA LIBRE
Existem várias entidades congregando editoras, distribuidoras, livrarias físicas e virtuais dentro da cadeia produtiva do livro. Sem contar gráficas, indústrias de papel, birôs e escritórios de prestação de serviços interagindo entre si. E sem contar milhares de funcionários e seus familiares, todos dependendo, para sua sobrevivência, da saúde financeira dessas empresas e das entidades que as representam.
Entre essas entidades existem as grandes, como a nacional CBL – Câmara Brasileira do Livro –, as médias, exemplificadas pelas câmaras estaduais, e as pequenas, formadas por grupos de editoras com objetivos específicos, como o CEM – Clube de Editoras Mineiras.
A LIBRE – Liga Brasileira de Editoras – talvez seja o paradigma, por estar no olho do furacão, sendo constituída por cerca de 130 micro e pequenas empresas, a maioria concentrada no eixo SP-RJ-MG, mas com associados em vários estados.
De janeiro para cá, pelo menos cinco dessas editoras faliram ou simplesmente encerraram as atividades pela incapacidade de se manterem apenas com a venda de livros no varejo (livrarias, vendas online pelos sites ou em feiras eventuais).
Importa lembrar que o faturamento bruto de pequenas e micro editoras, integrantes ou não da LIBRE, pode ser estimado num valor entre R$ 240.000,00 e R$ 1.200.000,00 anuais, mantendo de dois a 10 empregados, no máximo, diretoria incluída. As exceções, para baixo ou para cima, são poucas.
CONTRASTES E CONFRONTOS
Suponho – pois não posso senão supor, devido à escassez de dados concretos – que 80% de todas as editoras do país estejam dentro desse perfil.
A compra bruta por editora de um programa como o PNBE gira entre R$ 100.000,00 e R$ 1.500.000,00, gerando receita líquida aproximada de 30% desse valor, ou seja, entre R$ 30.000,00 e R$ 450.000,00 anuais. Na maioria dos casos das pequenas e micro editoras, é essa, por estranho que pareça, sua principal fonte de faturamento. O restante necessário para fechar as contas é um deus nos acuda, daí a elevada mortalidade entre tais empresas, incapazes de produzirem best-sellers, já que a produção de um best-seller costuma envolver valores em marketing e compra de direitos muito superiores a sua capacidade de investimento e – por que não dizer? – de risco.
Parêntese: o papel das pequenas e micro editoras é, de um lado, constituir meio de sobrevivência; de outro, a realização de projetos pessoais de editores sonhadores; finalmente, garante o surgimento de autores, ilustradores e leitores. Se todas as editoras podem formar leitores, as grandes empresas apostam quase exclusivamente em autores canônicos ou com potencial de se tornarem best-sellers. Como disse há algum tempo uma analista do mercado editorial, “só existem dois tipos de livros: os canônicos e os best-sellers. O resto não existe”. Mas é dessa não-existência mercadológica que se sustentam as pequenas e micro editoras, pois é o limbo em que são garimpados e lapidados os sucessos que se tornarão literatura canônica e best-seller. E que lhes serão tomados a peso de ouro pelas grandes editoras, nacionais ou multinacionais, logo que despontam ou pouco depois de se firmarem. Fecho o parêntese.
A PARALISAÇÃO DOS PROGRAMAS
Estão engavetados no MEC e no FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – pelo menos quatro programas de vulto, e um quinto nem ao menos foi iniciado. Tais programas, pendentes de uma ou duas canetadas ministeriais (e do contingenciamento pautado pelos economistas de Planalto), são os seguintes:
1) PNBE Temático 2013. O edital foi publicado em 25/05/2012. A habilitação das editoras selecionadas foi concluída em janeiro de 2014. As negociações (com quantitativos e valores), finalizada em novembro de 2014. Os empenhos e assinaturas de contratos seriam realizados a partir de janeiro de 2015. Desde a publicação do edital e a promessa de assinatura do contrato e consequente produção dos livros já se passaram quase três anos. Enquanto isso, as editoras esperam, e se atolam em juros bancários, já que algumas compraram e estocaram papel.
2) PNLD – Alfabetização na Idade Certa 2014. Publicação do edital: 05/06/2013. Divulgação das editoras selecionadas no Diário Oficial da União: 11/11/2014. Solicitação de documentos pelo FNDE para início das negociações: 30/12/2014. Depois dessa data não houve mais contatos. As editoras selecionadas, de braços cruzados e bolso vazio, esperam, esperam, esperam.
3) PNBE Indígena 2015. Publicação do edital: 27/01/2014. Entrega dos livros para análise e seleção: entre 06 e 08/03/2014. Situação atual: paralisado.
4) PNBE 2015 (para alunos das últimas séries do ensino fundamental e do ensino médio). Publicação do edital: 07/03/2014. Entrega dos livros para análise e seleção: entre 02 e 04/06/2014. Situação atual: paralisado.
5) PNBE 2016. O edital sequer foi publicado, quando isso ocorre, normalmente, entre dezembro e janeiro todos os anos. A data dos editais se refere sempre ao ano em que os livros são – ou deveriam ser – entregues às bibliotecas.
CONCLUSÃO PATÉTICA
Em 2014 tivemos dois graves empecilhos à continuação dos programas: a Copa do Mundo e a eleição presidencial. Esperavam as editoras que a partir da indicação de Cid Gomes para o MEC os entraves estariam eliminados. Com sua demissão, tudo voltou à estaca zero. O professor Renato Janine Ribeiro, iniciando agora sua gestão, com certeza espera a divulgação detalhada do famigerado contingenciamento.
De cerca de 80% das editoras brasileiras, percentual constituído por micro e pequenas empresas do setor, boa parte depende, para sobreviver, de compras governamentais, e está de pires na mão. Muitas delas já beirando, enquanto esperam, o teto de endividamento, bancário e outros, e dispensando funcionários, pois não há como bancar salários se não há receita. Simples assim.
Resulta de tudo isto que, ou o governo federal, via Ministério da Educação e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, retoma o processo de aquisição de livros literários, ou teremos dois finais dramáticos à vista:
1) Fechamento em massa de pequenas empresas editoriais nacionais, com o consequente desemprego de milhares de profissionais;
2) Interrupção, pela primeira vez desde 2004, das compras anuais de livros de literatura para as bibliotecas das escolas públicas do país.
Se isso acontecer, será uma catástrofe de proporções incalculáveis, tanto para as pequenas e micro editoras quando para os projetos governamentais da presidente Dilma cujo slogan, lançado na campanha eleitoral, era exatamente “Pátria educadora” (sic).
Fonte: http://jornalggn.com.br/blog/sebastiao-nunes/paralisia-ameaca-sobrevivencia-das-pequenas-editoras-brasileiras
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