quinta-feira, 21 de maio de 2015

Nova edição de 'Hamlet' deixa a obra de Shakespeare mais perto dos jovens

Rodrigo Lacerda promove uma espécie de visita guiada pelo clássico do dramaturgo inglês.

Se você é um desses leitores preguiçosos, que sempre quis ler o “Hamlet” de Shakespeare, mas não conseguiu jamais passar da página X, ou se é um jovem da geração Enem que vai ter agora de encarar o texto, eis a chance que esperavam! Seus estresses vão ter fim com este livro que, no esperto linguajar do autor, é a própria “salvação da lavoura”.

Rodrigo Lacerda, escritor várias vezes premiado, conseguiu o que parecia impossível: numa espécie de visita guiada, orientar na leitura integral do drama shakesperiano, tornando-o claro, acessível e até mesmo divertido, sem apelar para o velho recurso das adaptações tatibitates, capazes de subestimar o nível intelectual dos leitores.

O segredo dessa façanha está no enfoque proposto e, principalmente, no estilo utilizado pelo autor para executar seu intento. Como que se travestindo de professor moderninho, Lacerda usa e abusa da linguagem da tribo, pontilhada de expressões coloquiais e dos modismos mais recentes que são a moeda de troca entre os interlocutores das redes sociais.

Não raro vocês vão esbarrar em termos como bebum, enchendo a cara, esbórnia, perrengue, ziriguidum, esculacho e até mesmo na-na-ni-na. Mas não se iludam: Lacerda “bate na barriga” de Hamlet desde quando era pequenino, conhece praticamente todas as traduções do drama em português — desde o provecto “Amleto”, de Tristão da Cunha (1933), até as mais recentes que parecem feitas pelo tradutor-mecânico da internet — e por isso não vende seu texto por barato. Vale-se apenas do artifício para poder transmitir ao leitor as observações mais acuradas, os comentários mais eruditos que colheu numa boa dezena de estudos críticos da obra, em especial no “Hamlet” da Arden editado por Harold Jenkins.

O autor se dirige, desde o início, a um hipotético leitor que é, ao mesmo tempo, um jovem ator que se prepara para interpretar, pela primeira vez, o papel de Hamlet no palco. Tanto ele quanto você não têm familiaridade com o texto, de modo que os comentários de Lacerda são ao mesmo tempo a tradução dos versos, sua exegese minuciosa, a análise dos sentimentos dos personagens, e as dicas de como o Hamlet-ator poderia interpretá-los. “As falas dos personagens são em versos, quase sempre não rimados, ou em prosa. Você precisa saber falá-los, dar-lhes ênfase, modulá-los”, é uma das observações que faz ao hipotético ator, a quem chama familiarmente de Hamlet Jr. Um por um dos desenvolvimentos do drama vão se tornando explícitos, as palavras são submetidas a uma cirúrgica análise de seus possíveis significados, das prováveis intenções de Shakespere ao escrevê-los daquela forma, considerando os valores vocabulares do idioma inglês seiscentista, de modo que nenhuma delas parecerá estranha, nenhuma citação histórica ou mitológica ficará fora do entendimento do jovem leitor de hoje. Mas tudo isto sem nunca entediá-lo.

No início do Ato 4, o autor faz uma pausa para advertir: ele vai contar a epopeia que a escrita de Shakespeare viveu até chegar aos leitores de hoje. É o relato de como o “Amleth” da Gesta Danorum foi retomado por Beleforest, e de como Shakespeare produziu o “Primeiro Quarto” em 1603 e o “Segundo” em 1604, ou seja, a base das edições modernas da peça. Mas Lacerda é precavido, conhece a turma: “Quem quiser pular direto para a ação, que pule, mas aviso que perderá algumas informações interessantes”. Pura verdade.

A leitura dessa nova tentativa de aproximação com os clássicos é altamente recomendável. Saímos dela com a sensação de termos compreendido melhor Hamlet, o sentido e intenção de suas frases, a riqueza de seu vocabulário (Lacerda explica e analisa, por exemplo, cada uma das florzinhas que compõem a grinalda mortuária de Ofélia!). Que venham outras experiências semelhantes para que possamos enfrentar a pedreira de “A montanha mágica” ou navegar seguros pelos mares de “Ulisses”.

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