Uma leitura sob os GUIZOS DA CARNE, de Eliane Testa
Cristiano Alves Barros¹
Elenilde Gomes Araújo²
Após a leitura do livro Guizos da carne: pelos decibéis do corpo da autora Eliane Cristina Testa é possível sintetizar as correlações da eroticidade através da palavra escrita, neste caso, um conjunto de poesias que transfiguram os aspectos da feminilidade na construção literária contemporânea.
É sob o pseudônimo artístico "Lia Testa", que a poetisa aborda certa intimidade com a linguagem visual e sua incorporação a partir de versos sonoros. Natural do estado do Paraná, a escritora tornou-se uma das grandes representantes da poesia tocantinense também, onde reside a mais de 10 anos como professora de Literatura e História da Arte, do Curso de Letras da Universidade Federal do Tocantins.
Como escritora, a autora já tem trabalhos poéticos premiados em concursos nacionais e internacionais, participando também da antologia poética “Inquietações” (2007) e do livro “Leitura de textos de autores tocantinenses” (2008). É também umas das organizadoras da Edição Especial da Revista Entreletras, intitulada “Lendo a produção literária e visual do Tocantins 2011”.
Como artista visual, tem realizado alguns trabalhos de ilustração de capas de livros de poesias e revistas. É uma das cinco brasileiras participantes da Antologia Mundial “Imagining Ourselves” (2006). Participou do “XII Circuito Internacional de Arte Brasileira na Áustria, na China e na Tailândia” e de exposições e amostras de arte no Paraná, em Goiás, em Brasília e no Tocantins.
Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC/SP), a autora elaborou a obra durante sua estadia na capital paulistana entre os anos de 2011 e 2013, onde seu livro foi publicado. A obra é lançada a partir de uma coletânea organizada pela editora Poesia Menor, que reúne outras poetisas do cenário atual, neste caso, Caroline Ramos, Juliana Amato, Isadora krieger, Lia Testa e Patrícia Chmielewski compõe a coleção que aborda desde temáticas mais íntimas até mesmo as temáticas mais irônicas.
Sobre essas temáticas, Lia Testa enfatiza o uso da metáfora como representação e ressignificação do signo poético através de uma leitura mais próxima do sentido carnal. Tal simbologia ilustra bem essa espiritualidade recorrente na poesia, para tanto, a escritora considera também as múltiplas crenças acerca da interiorização humana. De acordo com autora numa entrevista da autora cedida ao Jornal do Tocantins no dia 06 de Março de 2015:
Portanto, esse conjunto de versos reitera toda enunciação feminina a partir de uma reconstrução da imagem-texto de acordo com a poesia, logo, associando os nuances do imaginário visual a uma estruturação escrita do poema. Segundo a autora, "a poesia é um lugar de sedução, um jogo erótico em que nós somos as próprias palavras", isto é, uma personificação da realidade.Não é bem uma escolha, o tema surge a partir das minhas inquietações em relação à linguagem. A linguagem é por si erótica e essa erotização perpassa pela voz, pelas cores, pelo cheiro, são várias camadas que envolvem essas matizes, essas instâncias e estados eróticos. São várias eroticidades juntas, imbricadas, convergindo e dialogando. (Jornal do Tocantins, Palmas, 06 mar. 2015)
Exemplo disso, o poema “fato cacófato desaforado ato” (p. 9) descreve um pouco sobre esse percurso poético que contextualiza a trajetória da mulher a uma (des)alinhagem do verso, ou seja, desmistificando qualquer estereótipo que possa repreender sua feminilidade a uma estrutura que silencie também o eu lírico. De fato, os primeiros versos já ressaltam o tom da “boca dela”, que, pluraliza as vozes-fêmeas presentes na contemporaneidade.
Nesse sentido que, “a língua que conta tudo” revela os devaneios femininos, fora isso, aborda-se também uma heterogeneidade que se assemelha nos aspectos mais mundanos. Portanto, a conflitância que se objetiva no poema é tida como “caso do acaso”, logo, um lugar comum para que a imagem feminina confronte novos olhares. De acordo com um texto publicado no blog Leituras mil:
A poesia erótica da literata se rebela também contra o uso exato, preciso e circunscrito à norma culta da língua, mas entrega-se a uma construção que se concentra nas figuras de linguagem, abusa dos cacófatos, junta e separa palavras na trama rebelde do texto que não se deixa controlar, movidas sempre aos sussurros e explorando os sentidos e acepções das palavras, repetindo inícios de estrofes e rimando com os fins das frases. (RIBEIRO, 2014)Contudo, destacamos outra fala da autora acerca do assunto, “Não sou feminista, não levanto a bandeira. Eu sou feminina a partir do momento em que posso falar dessa eroticidade, da questão da sexualidade feminina.” (Jornal do Tocantins, Palmas, 06 mar. 2015).
Para tanto, a literata problematiza os efeitos sensoriais de sua poesia junto ao leitor, isto é, tendo uma proporção sinestésica que se aproxima dessa humanização textual. Neste caso, uma leitura mais sensitiva permite também destrinchar esses versos vertebrais que sustentam tamanha vivacidade do poema. Conforme Ribeiro (2014), a escrita da poetisa é:
Ora alinhado à direita da página, ora à esquerda, ora em forma de seta apontando para baixo, ora dividido em estrofes, ora estreito e ora com as linhas com espacejamento e alinhamento irregular. O que Lia mostra é que sua poesia não é balizada por cânones, nem obedece a padrões clássicos, como os parâmetros da gramática e sintaxe. (RIBEIRO, 2014)No caso do poema “guizos da carne” (p. 11), versificam-se a mulher a flor da pele, quer dizer, sua imagem e semelhança transgredida segundo uma subversão sociocultural. A epiderme tão ressaltada em verso é marcada pela dor que procria a vida, ou seja, a partir de um prazer meramente carnal.
Contudo, a menção de “oriki orixá” (p. 11) na segunda parte do poema evoca também a espiritualidade que reverbera as entranhas e as entrelinhas coexistentes no texto. Para a autora, trata-se de “uma poesia xamânica, uma mística pagã transcendental, neste caso, relacionada com um sincretismo dos ritos africanos”.
De fato, essa concomitância entre poético e o espiritual reverbera-se nas influências que a poetisa possui fora do contexto local, neste caso, “ultrapassando seu próprio regionalismo”. Vale frisar que, a autora vivenciou um pouco desse universo artístico também em outros contextos, isto é, longe dessas definições que acercam sobre a poesia tocantinense.
Nesse quesito que autora cita o nome de outros autores que de alguma forma compuseram seu senso de produção poética no livro, isto é, leituras que interseccionam com os versos de guizo na carne. Contudo, para a autora:
Não colocaria como influências, diria que dialogo com muitos escritores que gosto, como Paulo Leminski, José Saramago, Fernando Pessoa, Ricardo Aleixo, Léo Gonçalves, entre outros. É uma infinidade de produções literárias que vai nos permeando, como professora de Literatura, lido com isso no meu cotidiano e tudo vai se imbricando na obra. (Jornal do Tocantins, Palmas, 06 mar. 2015)
É nesse sentido que, Eliane Cristina Testa ressalta que, sua escrita não reitera uma criação típica do Estado tocantinense. Neste caso, a poetisa até reforça sua ideia de que não há de fato uma literatura tocantinense, até porque, essa construção literária é ainda muito recorrente nessas discussões sobre o tema.
Contudo, a literata argumenta também a inserção de sua poesia nesse contexto local, para tanto, ela aponta algumas características que pressupõem um pouco dessa vivência na região. Exemplo disso ocorre no poema da página 53, pois, logo se remete a imagem do Sol sob os aspectos quentes da nossa localidade.
Para a autora, essa literatura tocantinense ainda está em formação, de fato, um Estado tão jovem também busca sua identidade através da escrita. Pensando nisso, os versos de Eliane Testa podem atrair os olhares mais despretensiosos acerca dessa estruturação em que se concebe toda sua poesia.
Lançado em 2014 em São Paulo, o livro Guizos da Carne só chegou ao Tocantins a partir de um projeto cultural realizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proex) - Universidade Federal do Tocantins (UFT) no dia 06 de Março de 2015, neste caso, o evento ocorreu no hall de entrada do bloco IV/Reitoria do Câmpus de Palmas com a participação de outros poetas e professores da região.
Lançado em 2014 em São Paulo, o livro Guizos da Carne só chegou ao Tocantins a partir de um projeto cultural realizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proex) - Universidade Federal do Tocantins (UFT) no dia 06 de Março de 2015, neste caso, o evento ocorreu no hall de entrada do bloco IV/Reitoria do Câmpus de Palmas com a participação de outros poetas e professores da região.
De acordo com a autora, “a realização deste lançamento na UFT, acredito seja uma forma de dar voz a diferentes diálogos e olhares”.
Prefaciado pela professora Eliana Yunes, “este livro de poesias nada tem de estreante, maduro domínio do dizer que atravessa o corpo anunciando forças inominadas brotando com coragem e engenho. Lia, poetisa, abre passagem à poesia” descreve. Já para o poeta e parceiro artístico Ricardo Aleixo "É, a dela, uma escrita pensada e ao mesmo tempo sensível, aberta, já desde o título, a um 'corpo a corpo com a linguagem' que requalifica e tira as aspas dessa expressão tão desgastada".
Primeiro livro de poesias (individuais) de Eliane Testa, Guizos da carne surge a partir de uma jornada de quase 3 anos entre o universo acadêmico e o universo poético, para tanto, a autora utiliza de uma linguagem mais livre para abordar certos tabus ainda pendentes. Neste caso, de acordo com a autora:
O livro envolve todas as minhas vivências e tem o foco na questão da eroticidade. Eu entendo a linguagem como uma característica do corpo, da voz, da fala e, por isso, a obra é muito vocal, tende a ter um ritmo muito forte e tende a misturar isso, corpo, fala, fazer um corpo-a-corpo em tudo o que envolve os nossos sentidos, sentimentos e, pensando também na capacidade da linguagem, priorizando também entender o que é se trabalhar com poesia, que é falar da linguagem, não esquecendo essa parte intelectualizada também. (Jornal do Tocantins, Palmas, 06 mar. 2015)
Desse modo, contextualizar a obra sob uma conotação mais regional é também inferir outras questões acerca da representabilidade da poesia contemporânea. Neste caso, os versos de Eliane Testa destrincham o que há de mais íntimo no leitor, ou seja, confrontam a complexidade poética principalmente na sua inserção no senso atual. Para tanto, a leitura da obra trouxe uma possibilidade de problematizar o repertório de leitura no Estado.
Nesse sentido que, ressaltamos o cuidado de se minuciar a análise da obra, logo, esse trabalho surtiu dos efeitos que uma leitura poética pode proporcionar em diferentes espaços, por exemplo. De fato, abordar um tipo de poesia que personifica tal vivacidade feminina no decorrer dos versos.
Por fim, a predominância audiovisual da poesia de Lia Testa visa em si uma nova formação não apenas na universalidade da escrita, mas também, na fomentação de leitores contemporâneos dentro e fora do contexto local.
¹Aluno do Curso de Licenciatura em Letras (UFT-Campus de Araguaína).
²Aluna do Curso de Licenciatura em Letras (UFT-Campus de Araguaína).
Referências:
AIRES, Paulo; PARREIRA, Daianni. Café
Literário: professora Lia Testa lança livro de poesia. Disponível em: http://ww1.uft.edu.br/index.php/noticias/14169-cafe-literario-professora-lia-testa-lanca-livro-de-poesia>. Acesso em: 30 de Março de 2015.
RIBEIRO, Antonio Carlos. Lançamento:
“guizos da carne, de Eliane Testa. Disponível em: http://observatoriodeleiturato.blogspot.com.br/2014/08/guizos-da-carne-de-lia-testa.html>. Acesso em: 30 de Março de 2015.
SANTOS, Mara. Eroticidade sob o
signo da metáfora. Disponível em: http://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/arte-e-vida/eroticidade-sob-o-signo-da-met%C3%A1fora-1.796657. Acesso em: de Março de 2015.
TESTA, Lia. Guizos da carne:
pelos decibéis do corpo. Prefácio de Eliana Yunes. São Paulo: Poesia Menor, 2014. 56 p.
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