Parte dos erros cometidos nos noticiários da Rede Globo – sistematicamente reproduzidos nos jornais impressos, noticiosos radiofônicos e telejornais, além das emissoras afiliadas – são oriundos do enquadramento conservador, exigido dos redatores e editores. Outra parte é assumida pelos jornalistas que agregam esse enviesamento ao próprio olhar, por conta própria, sem sequer um pedido formal, apenas por elogios sutis, acessos às ‘conversas do andar de cima’ ou qualquer outra proximidade ‘profissional’ que rompa a relação patrão-empregado. Sempre veementemente negada.
Num país em que alunos das primeiras séries fundamentais chamam os professores de ‘tio’ e os jogadores de futebol se dirigem aos técnicos chamando-os de ‘professor’, se percebe que o deslocamento da linguagem obedece a parâmetros que mostram a simulação da cumplicidade inexistente, em troca do favor que se baseia na afinidade ideológica simulada. Com os disfarces e salamaleques que resguardam a suposta respeitabilidade a ser mantida. Não sem custos.
Três correspondentes de jornais estrangeiros foram convidados para participar num programa da GloboNews. O tema do debate eram suas impressões sobre as ‘manifestações’ do dia 15 de março. Bem informada sobre o conjunto de fatos, a grande mídia europeia e norte-americana menosprezou a forma da empresa jornalística se afirmar e trair-se, ao negar o protagonismo.
A jornalista Lotten Collin, correspondente da rádio pública da Suécia e residindo há dois anos no Rio de Janeiro, foi convidada. Entre uma opinião e outra, se deu um fato inusitado: a apresentadora Leila Sterenberg começou a pergunta, dizendo para Lotten: “Você, que tem fama de esquerdista…”.
Lotten Collin se concentrou na resposta, narrou o que viu no domingo, nas ruas e na TV – especialmente seu choque com as pessoas que pediam intervenção militar e a quantidade de brancos – como explicou, e sobretudo as contradições do noticiário, aceitáveis a um público de baixa tradição democrática e que desconhece a tradição protestante dos países nórdicos, como mostrou Carlos Alberto Almeida no programa De Frente com Gabi, do SBT, clique aqui
Para piorar o desconforto, na gafe para superar a gafe, um produtor do programa surge com outra frase que junta preconceito e desinformação: “Olha a nossa comunista”. Trecho desse diálogo ainda constava no site da Globo News, reservando a íntegra exclusivamente para os assinantes. Talvez para garantir a fidelidade do público e evitar outro desgaste.
A repórter sueca não perdeu a oportunidade. Narrou essa experiência em seu boletim, intitulado “Uma comunista na TV brasileira”, destacando a opinião dos jornalistas que se comportam como escudeiros do rei na defesa do relato golpista, criado nas redações.
Ouvida pela imprensa livre, a correspondente sueca disse que achou a situação “muito ruim”. Reclamou da colega que utilizou um dos rótulos de décadas na cobertura política: “Ela me falou, do nada, que eu tinha fama de esquerdista”. E fez o protesto que demarca a distância entre o jornalismo que respeita a opinião do entrevistado e o que já dá as respostas ao fazer a pergunta: “Não acho certo me dar essa marca. Os outros dois convidados não tiveram esse tratamento”.
O pior resultado do golpismo midiático viria nos dias seguintes. A jornalista disse: “Recebi muitas mensagens sobre o episódio. A maioria me dando apoio, mas muitos afirmando que eu deveria ir embora. Houve quem, no Facebook, afirmasse que eu fui cortada quando ela chamou os comerciais. Isso, na minha opinião, não aconteceu”.
Vítima do fato no qual sequer estava atuando, precisou se justificar: “Eu sou jornalista, não sou partidária, não sou pró-PT. Por que me caracterizar assim?” E o mais ‘engraçado’, para narrar a vergonha que este conglomerado traz ao jornalismo brasileiro, foi a explicação dada por ela: “Não entendi muito as felicitações pela minha coragem. Eu estava tentando apenas fazer o meu trabalho”.
O público leitor de Collin logo entendeu que a diferença entre ela e profissionais da referida emissora é a exatamente a mesma entre liberdade de narrar e a narrativa elaborada, decorada, ensaiada e repetida, insistentemente nos últimos 13 anos.
*Pós-doutorando em Letras (UFT/PPGL/CAPES) e Editor do Blog Leituras
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