quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Aconteceu na escola

Alfredo Goldman*

Meu filho está no quinto ano do ensino fundamental e, recentemente, chegou em casa com uma lição diferente: escrever um texto no computador.



Fiquei completamente animado com o fato de ele, finalmente, ter uma atividade mais “profissional” no computador. Como pai, confesso que já acho que ele está familiarizado demais com a informática. Após meses com a assinatura dos pinguins da Disney, hoje a moda são jogos de construção e interação: além do extremamente conhecido Minecraft, há vários outros, como o Robocraft. Outra tendência são os tais canais do Youtube, onde vários “famosos” chegam a ter mais de cem mil seguidores. Diversas empresas já seguem esse novo modelo de negócio. Assim, no caso dele não há falta de exposição ao computador, mas ainda sempre de forma lúdica. Foi por conta da mudança em relação a isso que me interessei com esse possível uso “sério” do computador.

- Pai, tenho que digitar e corrigir o texto no formato docx.

Respirei fundo e pensei: como explicar a situação para uma criança dez anos? Minha primeira abordagem foi tentar explicar que não haveria a necessidade de mandar dinheiro para uma multinacional. Naturalmente, não deu certo. Com o que ele entendeu, veio a pergunta: “mas o programa já está aqui, tenho que pagar para usar?” Pensei em explicar que mesmo quando os programas já vêm instalados há um custo. Cheguei a pensar em comentar sobre os riscos de ficar preso em um formato proprietário. Percebi que precisava de ação e não de um discurso filosófico…

O mais fácil que tínhamos às mãos era o GoogleDrive que, apesar de gratuito, não tem relação nenhuma com software livre. Foi bem fácil de mostrar para ele! O exercício foi feito e recursos como o corretor ortográfico foram rapidamente assimilados. No final, mandamos o arquivo no formato “semi-aberto” .rtf e tudo acabou bem.

Ou quase :) .

Na reunião de classe comentei sobre o assunto. A professora não havia nem mesmo pensado nesse problema, mas se mostrou muito receptiva a repensar a situação. Já um outro pai se manifestou e disse que seria importante manter o uso de padrões, de forma a facilitar a inserção dos alunos no mercado de trabalho. Tentei argumentar sobre uma possível transição suave usando o formato .rtf mas, nesse momento, percebi que as minhas convicções relativas a SL não tinham espaço em uma reunião de classe.

Para finalizar, acho importante deixar claros dois pontos. Primeiro, hoje estamos tão habituados às ferramentas de sempre que, apesar de existirem alternativas melhores e até mesmo gratuitas, muitas pessoas ainda estão presas ao universo criado pela Microsoft, achando normal todos os problemas associados com telas azuis e incompatibilidades. Já passou da hora de mudar! Segundo, para conseguirmos nos libertar dos formatos proprietários é importante esclarecer as pessoas sobre suas restrições, como a eventual necessidade de pagamento, a possibilidade de versões serem descontinuadas, além das mais recentes falhas de segurança (back doors).

Levando tudo isso em conta, há alguma razão para não se libertar? A mudança é muito mais suave do que parece…

*Alfredo Goldman é Professor de Ciência da Computação no IME/USP e diretor do CCSL-IME/USP

Transcrito de http://blogs.estadao.com.br/codigo-aberto/aconteceu-na-escola/

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