Tradução: Fernanda Lizardo, edição de Leticia Nunes. Com informações de Farhad Manjoo [“Web Trolls Winning as Incivility Increases”, The New York Times, 15/8/2014], Enrique Krauze [“Anti-Semitism Stirs in Latin America”,The New York Times, 16/8/2014], Luigi Serenelli (com colaboração de Angela Waters e Jennifer Collins) [“As online anti-Semitism grows, so do efforts to counter it”, The Washington Post, 15/8/2014], Merissa Nathan Gerson [“
Troll é um termo utilizado na internet para caracterizar um baderneiro que surge – na maioria das vezes, anonimamente – para provocar discórdia nas redes sociais e em seções de comentários de blogs e sites, quase sempre com postagens agressivas.
Embora trolls, mensagens de ódio na rede ou o cyberbullying não sejam novidade, cada vez mais a internet parece estar perdendo uma guerra invisível contra tais assediadores, e o grande desafio no momento é encontrar uma forma inovadora de derrotar os encrenqueiros do mundo digital.
Bullying virtual
Dias após a morte de seu pai, o ator Robin Williams – que cometeu suicídio em 11/8 –, a também atriz Zelda Williams, tornou-se vítima do assédio online. Zelda decidiu sair de sua conta no Twitter após receber fotomontagens de seu pai com marcas no pescoço e fotos de cadáveres mortos por enforcamento.
Embora o cancelamento de uma celebridade no Twitter não soe como um dos problemas mais alarmantes que o mundo enfrenta, deve-se notar que o fenômeno não é fato isolado e afeta mais gente do que parece, podendo deixar um rastro de danos emocionais coletivos.
Em artigo publicado na revista Pacific Standard, a escritora Amanda Hess aponta que a internet tem se tornando uma “central para a experiência humana”, um lugar do qual não se é mais possível escapar caso você deseje trabalhar, namorar, socializar ou abrir uma conta corrente. Por causa disso, o impacto da rede em nossas vidas é maior do que se imagina. “Ameaças online podem dominar nosso emocional”, avalia. Amanda também pondera que os problemas online refletem um custo real, pois além de tomar tempo, às vezes exigem providências concretas para serem combatidos, como a abertura de processos ou o investimento em segurança online.
A escritora e ativista americana Jennifer Pozner – que se dedica principalmente a grupos de defesa de causas feministas – teve sua vida profundamente afetada por um perseguidor. Ela chegou a receber mensagens diárias de um indivíduo que criava contas novas no Twitter única e exclusivamente para perturbá-la.
Guerra online
A Guerra de Gaza tem sido mais um pretexto para manifestações odiosas nas redes sociais, principalmente no que diz respeito ao antissemitismo. Em análise para o New York Times, o jornalista Enrique Krauze, articulista do El País, chamou atenção para a quantidade de mensagens antissemitas redigidas em língua espanhola no Twitter. “Alguns governos latino-americanos manifestaram seu descontentamento com as ações de Israel. Chile e Brasil chamaram seus embaixadores, Fidel Castro acusou os israelenses de genocídio, e os governos favoravelmente dispostos à revolução populista da Venezuela condenaram publicamente a postura de Israel na guerra”, escreveu ele. “Embora tal rejeição política não seja necessariamente antissemita, há algo novo surgindo nas mídias sociais em língua espanhola, principalmente entre os jovens, onde a condenação a Israel é muitas vezes acompanhada por diatribes antissemitas. A América Latina não é particularmente antissemita, mas há um perigo de se transformar em tal”, concluiu.
Suzette Bronkhorst, cofundadora da Agência Holandesa de Queixas para Discriminação na Internet, diz que não se lembra de já ter visto níveis tão altos de discursos antissemitas em plataformas sociais. Em julho de 2014, o número de páginas antissemitas em língua holandesa no Facebook alcançou as centenas. No mesmo período, a hashtag “Hitler estava certo” apareceu mais de 10 mil vezes no Twitter, tornando-se um trending topic.
A Universidade Técnica de Berlim deu início a um projeto para analisar cerca de 100 mil textos da internet e avaliar como o antissemitismo se espalha nas redes sociais e nas seções de comentários de sites, chats e fóruns. A equipe descobriu que as manifestações não vêm só do círculo islâmico e dos círculos de direita, mas também da classe média escolarizada.
Yonathan Arfi, vice-presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França, diz que a onda antissemita é um novo fenômeno que tem se intensificado graças à internet. “É um espaço sem leis”, diz ele.
Combate
Mesmo com tantas evidências óbvias de que discursos de ódio devam ser combatidos, a questão ainda é bastante complicada. Tanto o Twitter quanto o Facebook têm meios para denunciar abusos, mas os recursos são frequentemente descritos como inadequados.
Del Harvey, vice-presidente da Equipe de Confiança e Segurança do Twitter, afirma que o site vive em constante processo de avaliação para melhorar ainda mais suas políticas e lidar melhor com casos como o da filha do ator Robin Williams.
A empresa de mídia online Gawker Media diz ter solucionado seus problemas implementando um sistema onde apenas comentadores aprovados têm permissão para postar na seção de comentários. Comentários reprovados costumam ser relegados a uma seção de “pendentes” com um aviso de alerta aos leitores sobre seu conteúdo.
Em 2013, o Facebook enfrentou pressão de ativistas e anunciantes, o que levou a rede social a rever suas páginas de comunidades, evitando assim a publicação de anúncios em páginas com conteúdo gráfico.
Adeptos da tecnologia e ativistas online, por outro lado, alegam já ter oferecido ao Twitter algumas ideias simples para tornar o microblog mais seguro. O programador Jacob Hoffman-Andrews, por exemplo, criou o “Block Together”, um programa que permite aos usuários bloquear novas contas no Twitter ou contas que tenham número baixo de seguidores.
Liberdade de expressão
O que torna boa parte das empresas de tecnologia hesitantes sobre a filtragem de qualquer conteúdo em seus sites é o temor de bloquear a liberdade de expressão. Monitorar conteúdo agressivo individualmente é algo complicado devido ao alto volume de informação na rede, e realizar bloqueio automático de conteúdo (através de palavras-chave) pode atrapalhar eventos políticos. É inegável, por exemplo, a importância das redes sociais durante a Primavera Árabe de 2010 e 2011.
Quando o Facebook esteve sob a pressão de ativistas em 2013, ele também apontou a dificuldade em não afetar a liberdade de expressão ao realizar a filtragem de seu conteúdo. “Avaliar materiais controversos nos obriga a tomar decisões difíceis e desperta preocupações em relação ao equilíbrio da liberdade de expressão e do respeito à comunidade”, declarou a equipe do Facebook em seu blog à época.
“Não alimente os trolls”
O jornalista britânico-americano Nick Bilton diz que já cometeu o “grande erro” de se envolver em discussões em redes sociais e que os episódios lhe renderam mensagens de ódio imediatas e ofensas impublicáveis.
Ele crê que não interessa o tópico abordado. Pode ser Gaza, a Agência Nacional de Segurança dos EUA, Beyoncé, Justin Bieber ou assuntos esotéricos: sempre haverá discursos de ódio na rede. Em artigo para o New York Times, o jornalista se pergunta: o que o usuário deve fazer então? Recusar-se a se manifestar ou a compartilhar links para não incitar a horda?
Bilton consultou uma série de jornalistas “cujo trabalho é ser atacado online” em busca de uma resposta. Boa parte deles disse ignorar as mensagens. Um editor da revista New Yorker afirmou: “A regra do seu envolvimento é nunca se envolver”. Um ex-funcionário da Gawker disse que um dos mantras da empresa é “Nunca reclame, nunca se explique”. Já um colega do New York Times recorreu a uma velha regra da internet: “Não alimente os trolls”.
Bernie Mayer, autor de vários livros sobre resolução de conflitos e professor da Escola de Direito da Universidade de Creighton, em Omaha, observa que, além da velocidade, há outro problema nas discussões digitais: nelas, as pessoas não conseguem captar o tom de uma conversa, a expressão facial e, acima de tudo, o sarcasmo. Mayer diz que é possível ter pistas através de emoticons e nuances gramaticais, mas que, por fim, num embate de 140 caracteres, isso se torna quase impossível.
Para Whitney Phillips, professora da Universidade Estadual de Humboldt, enquanto a internet estiver operando de acordo com uma economia baseada em cliques, os trolls vão existir. “Não é uma questão de saber se estamos ou não estamos vencendo a guerra contra os trolls, mas sim se estamos vencendo a guerra contra a misoginia, o racismo e afins”, diz ela. “A atitude dos trolls é apenas um sintoma destes problemas maiores”.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed812_manifestacoes_de_odio_estao_dominando_a_internet – 19.08.2014 - edição 812
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