sexta-feira, 25 de julho de 2014

Artigo: Lutero e o desenvolvimento da leitura

Antonio Carlos Ribeiro*

A ênfase de Lutero na leitura data do fim da idade média e início da moderna, numa Alemanha ainda rural - quando regiões como a Itália e a França se destacavam como berço do Renascimento, das grandes cidades e da cultura. Nesta época, a educação era restrita aos nobres e aos burgueses, e parte significativa da população vivia como os pobres nas florestas. A Europa já tinha cidades e a civilité (civilidade, dos franceses) ou a Kultur (cultura, dos alemães), como explicou Norbert Elias, o sociólogo alemão dos hábitos europeus.

A dificuldade de Lutero com os métodos dos mosteiros o fez pensar nas crianças e jovens como os que devem ser conquistados para a educação. Ele percebeu que os jovens gostam de dançar, cantar e pular em busca do que lhes dê prazer, assim as disciplinas devem ser estudadas de forma prazerosa e lúdica, concluindo que ‘os métodos didáticos devem adaptar-se à natureza das crianças’. O modelo educacional do início do século XVI destinava aos meninos a frequência a uma ou duas horas na escola e a aprendizagem de um ofício. E às meninas, cabia frequentar a escola e cumprir tarefas domésticas.

O século XVI, com o Renascimento e a Reforma como pano de fundo, cria espaço para o crescimento da publicação de livros num ambiente ainda muito marcado pelas relações pessoais com base na oralidade (fala). A intervenção de Lutero levanta questões a esta tradição oral, especialmente por ser um intelectual inserido no universo da leitura e da interpretação dos textos bíblicos e filosóficos. Com a consolidação das igrejas protestantes, este século experimentou avanços, mas ainda conservou a oralidade – não questionada pela Reforma – em destaque. Ainda assim suas consequências contribuíram, ou pelo menos afetaram, a passagem da cultura oral para a da leitura e da escrita.

Monumento a Lutero na Marktplatz, em Wittenberg

Com a difusão da alfabetização e do texto escrito, com a imprensa dos tipos móveis de Gutenberg, as relações humanas começam a sofrer alterações. A principal delas é o início do desaparecimento do mediador e a intervenção individual e direta. Nas relações da sociedade, os principais papeis a perderem influência e significado são os velhos, cuja memória perde a utilidade social, e os sacerdotes, por causa do segredo do seu prestígio e pelo seu poder, cujo núcleo é uma espécie de elo entre o escrito e o oral.

Mesmo que haja coincidência no movimento (a Reforma), no lugar (Alemanha) e no tempo (séc. XVI), não é possível conectar a leitura da bíblia em linguagem vulgar com a alfabetização, significando que não houve uma interferência da Reforma na tradição da cultura oral. A oralidade ainda reina absoluta em casa, na escola e nas igrejas.

As mudanças a esse quadro começam a ganhar forma quando Lutero faz um elogio ao Conselho da cidade de Nürenberg pela criação do Ginásio de Egydio. O reformador destaca a escolha e contratação das pessoas mais qualificadas, mesmo que não tivessem nenhuma universidade para a formação de mestres especializados no ensino de grego, latim, hebraico, poética e matemática. Assim, Lutero se tornou um entusiasta da educação, da leitura e da formação das novas gerações do seu povo.

*Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT/Capes) - Campus Araguaína - e Pesquisador da Cátedra UNESCO de Leitura

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