Da infância ao crescimento intelectual e discernimento crítico
Marcus Vinícius Machado dos Santos
Resumo: Este artigo aborda a leitura, como motivação ao crescimento
intelectual, considerando a vida da criança na família e na escola até o
seu desenvolvimento crítico. A responsabilidade de pais e professores
é essencial nesse processo de leitura.
Palavras-chave: Leitura; Leitura - motivação; Leitor crítico.
1 INTRODUÇÃO
Ler, antes de tudo, é descobrir e expandir horizontes, porém ler apenas como um decifrar dos sentidos dos signos parece automatismo. Deve ser encarado como um ato de prazer instigado desde a mais tenra idade por pais, professores e meios de comunicação, levando as crianças à ludicidade necessária a fim de que o gosto pela leitura esteja inserido naturalmente no cotidiano e jamais como obrigação. O objetivo disso? Futuros leitores assíduos e críticos.
No Brasil, infelizmente, lê-se pouco, normalmente ocorre por obrigatoriedade nas escolas, pois o exemplo de casa com raras exceções existe. Essa leitura escolar está distanciada da realidade das experiências pessoais. Daí que ao chegar à vida adulta a maioria esqueceu há tempos o gosto por esse hábito e a probabilidade disso repetir-se de geração para geração, de pai para filho, da escola para o aluno, é deveras preocupante e real.
É importante algumas perguntas serem abordadas: como inserir ao natural às crianças a prática da leitura? De que forma motivar os jovens à leitura como fonte de prazer e conhecimento? O que fazer para que se tenham leitores críticos? O hábito de ler formado desde cedo e encarado com satisfação pode ser um caminho às elucidações. Deste modo, ter-se maior discernimento crítico parece conseqüência, já que a necessidade será expandir-se sempre, crescer intelectualmente.
Um tema como esse está intrinsecamente interligado aos temas da Biblioteconomia que não só informa, como urge por leitores ávidos por conhecimento, compreensão, que desejem decifrar as entrelinhas, não apenas dos livros e dos bancos de dados, mas, principalmente, do dia-a-dia, da luta rotineira e opressora que empurra a todos impreterivelmente a seguir a trilha do saber.
2 MOTIVAÇÕES PARA A PRÁTICA DA LEITURA
Ler. Eis aí um ato repleto de inúmeras implicações, conseqüências, e dependendo de cada um que lê, de motivações. Sim, motivações, pois até pegar um jornal diário e dar uma passada rápida com os olhos pelas manchetes requer algum interesse por trás deste simples folhear despreocupado de páginas. Cada leitor busca algo que lhe sacie o desejo por conhecimento ou apenas por lazer e este objeto desejado muitas vezes torna-se obscuro, de difícil acesso, já que nem sempre se pode incluir no dia-a-dia a leitura.
Quando não é elitizada a informação, seja por desigualdade social, seja por preconceito, ela pode estar negligenciada, relegada a segundo plano, aos setores da sociedade realmente interessados, à vida acadêmica, aos privilegiados. Porém o que será tratado aqui mais especificamente, será o porquê da leitura não estar entre os principais interesses de tantas pessoas e como motivar este batalhão de quase excluídos. Quase, pois essas pessoas é que pensam não gostar de ler. Ledo engano. Elas foram adestradas durante anos, a começar desde a mais tenra idade, a não apreciarem um livro. Não sabem que não tiveram opção de escolha, já foi escolhido para elas não gostarem e pronto.
Tudo começa no seio familiar; todos os principais exemplos de conduta que serão levados pela vida toda estiveram ali durante rápidos e decisivos anos como em uma exposição de fatos, princípios, comportamentos. É neste ambiente propício para a construção da personalidade que se marca indelevelmente as vontades e os anseios, os desejos e as motivações.
Como uma esponja insaciável e curiosa, esse pequeno aprendiz age, urge por interação com tudo e todos a fim de reter a maior quantidade possível de informações, conhecimentos, experiências. Se não for alimentado, essa gana por novidades poderá, com o tempo, distanciar-se do caminho que leva à leitura, o hábito prosaico e deleitoso de ler quer seja um simples gibi, quer seja Camões. O tempo trata de rapidamente apresentar trilhas muito mais fáceis de serem percorridas, pois algumas dessas trilhas não necessitam de guia ou setas, apenas da atenção alheia. A televisão é uma delas, certamente. Requer pouquíssima concentração, nenhuma aptidão, qualquer vontade que seja. Pronto, perdeu-se outro leitor e agora o que se faz? Motiva-se apresentando outras fontes de prazer, talvez reapresentando o ato de ler como um ato natural, sem dor alguma, ao contrário do que tantos denotam erroneamente.
Conforme Yunes (1984, p. 53)
O estímulo sistemático à leitura deveria ser meta prioritária em países em via de desenvolvimento. Constata-se no Brasil que o hábito de ler não representa uma tradição e, por isso, a motivação através de técnicas específicas deve ser encarada como um campo de estudo e pesquisa de novas modalidades que visem à aproximação do livro com o leitor.
Já Sandroni (1986 apud BORTOLOM et al, p. 11) afirma que “para ler é preciso gostar de ler.” Óbvio que quando não é fomentada esta prática ou qualquer outra que seja, quando não há exemplos vindos dos principais parâmetros referenciais, no caso aqui o lar familiar e a escola, raramente tem-se um leitor assíduo e interessado em conhecimento. Raríssimas são as exceções. Adultos que jamais lêem um livro, que passam tempo demais frente à teve, que pouco discutem assuntos de ordem geral e polêmicos.
E o sistema escolar há muito tem parcela de culpa neste panorama. Como denotou Freire (1988 apud GADOTTI, 1996), é grande a distância entre o que é lido nas escolas e o mundo das experiências pessoais, o mundo em que todos vivem suas vidas, com experiências personalíssimas. Ao estudante, resta a obrigação de ler calhamaços, ou melhor, decorar mera e simplesmente. A vontade pessoal, os gostos de cada um pouco importa. Claro que está mudando esse quadro, apesar da lentidão e dos sempre escusos interesses de quem não deseja ver um Brasil de cidadãos opinativos e críticos.
Então, como existir leitores de opiniões próprias se tantos nem gostam de ler? Claro que fica muito mais difícil iniciar-se a inserção de uma pessoa depois de adulta ao mundo das letras do que uma criança que já está por natureza apta e pronta para receber tantos ensinamentos e condicionamentos que carregará por toda a vida de forma natural. Enquanto houver alguém sem ler, ali estará um futuro leitor crítico, se for incentivado. Segundo Silva (1981, p. 45) é relevante “o fato da leitura ligar-se muito intimamente ao projeto educacional e à própria existência do indivíduo.” De fato, quanto mais a leitura estiver fazendo parte do cotidiano de cada um, haverá mais leitores realmente conscientes do que lêem, e para quê lêem. Leitores afeitos ao prazer, sempre em prontidão para conhecerem outros mundos, outras idéias, em benefício próprio.
2.1 Motivações em casa
É interessante instigar a criança à ludicidade, à curiosidade pela fantasia, por histórias, adaptadas ou não, tanto faz, o importante é contá-las ou lê-las aos filhos. Casos ocorridos, lembranças de vida, “causos” passados de geração a geração, tudo é válido. A aquisição rotineira de livros aos filhos prestando atenção nas preferências deles também conta, assim como levá-los à bibliotecas e livrarias, inserindo no dia-a-dia da família este hábito salutar, uma vez que o contato com este mundo somente ajudará e muito para os costumes familiares caminharem em direção ao conhecimento. É crucial saber que a criança deve ter as escolhas próprias respeitadas. Com o gerenciamento dos pais obviamente.
A partir do que Silva (1981, p. 42) escreveu quando diz que “leitura é uma atividade essencial a qualquer área do conhecimento e mais essencial ainda à própria vida do Ser Humano”, nota-se a importância ao hábito de ler sem restrições. Impossível censurar alguém por ler. Talvez mostrar outros prazeres da vida, como viver em meio à natureza, fazer amizades, amar, praticar esportes, etc. Mas jamais censurar. O oposto a isso é que deve ser seguido por todos. Motivar sempre à leitura, mostrar o tal caminho das pedras. E para isso, os primeiros anos de vida valem ouro quase literalmente. O ambiente familiar exerce influência primordial na construção do futuro leitor.
O exemplo que a criança tem em casa é o mais valioso, por isso quando ela vê os pais em diversas oportunidades “agarrados” a livros ou mesmo periódicos, terá maior facilidade a valorizar tal ato instintivamente (SANDRONI, L. C.; MACHADO L. R., 1987).
Para os bem pequeninos são recomendadas as histórias mais curtas e rápidas, de linguagem bem simples, com muitas ilustrações que denotam movimento e reforçam a história. Deve-se ler para eles em voz alta, podendo-se interpretá-las encenando-as junto à leitura. Isso fará a criança interessar-se em aprofundar-se neste mundo mágico, desejar mais e mais, até chegar o momento dela própria buscar histórias que lhe interessam.
Para os já em processo de alfabetização, livros de fácil leitura, com histórias curtas impressas em letras grandes, de frases curtas, ou aqueles que brincam com as formas da palavra.
Importante sempre dar vazão à fantasia e mostrar às crianças nesta idade contos e histórias que não dêem relevância excessiva à moral, assim como à lógica exacerbada e como denota Sandroni (1987, p. 19), “os pais devem entrar no jogo [...]; pais e filhos juntos procurarem juntos as respostas, consultando livros.” Os livros devem ficar num lugar da casa de acesso fácil.
Entretanto, há crianças que não gostam de ler e impõem obstáculos à prática da leitura. É necessário não se preocupar em demasia, nem pressionar. Com paciência haverá livros para serem encontrados que vão ao encontro dos interesses da criança. Mesmo que sejam gibis ou tiras dos quadrinhos de jornal, não importa, tudo o que leva ao hábito de ler desde cedo deve ser encarado com naturalidade e jamais com reservas, pois com o tempo esse iniciante leitor passará a desejar mais e novos rumos, o que o fará crescer intelectualmente.
2.2 Motivações na escola
A escola é por um bom tempo na vida do Ser Humano o segundo lar e a segunda família. Nada mais natural então, que os pais tenham contato estreito e sincero com professores, já que desta união quem ganha certamente é a criança que será motivada com maior conhecimento de causa tanto em casa como no ambiente escolar. Motivações que precisam ser para qualquer momento propício à leitura (SOUZA, 1986). Essas motivações devem ser observadas inerentemente à faixa etária do aluno, pois todos eles necessitam estar sempre em constante interesse pela leitura.
A escola integrada à vida do aluno, tendo diversos fatores em comum ao cotidiano é ponto crucial. Uma escola desligada do que ocorre no “mundo de fora”, dos anseios e aflições características dessas fases da vida (principalmente a adolescente), até mesmo dos modismos culturais, corre seriamente o risco de ficar para trás, ultrapassada, e pior, de fomentar inúmeros inimigos da leitura. Por isso discutir assuntos de toda ordem, falar sobre o que os alunos gostam, não como uma concessão, mas como um atrativo sedutor a mais no processo todo, irá fazer com que eles desejem outros temas, outros livros, por histórias que os levem por trilhas desconhecidas.
Como escreveu Souza (1986, p. 41), é preciso “angariar a simpatia do aluno, oferecendo-lhe oportunidade de resgate de experiências pessoais [...] em sintonia com as experiências do texto.” E quando o aluno ansiar por leituras além daquelas oferecidas pelos professores, que ela surja sem condicionamentos, enfim, quando e onde ele bem desejar, livremente.
Ler deve ser prazeroso. É base para uma vida toda, ferramenta para enfrentar os desmazelos da sociedade e a escola exerce fator importantíssimo no que se refere a esta construção do Ser Humano consciente do que o rodeia. Segundo Bortolom et al. (1998, p. 118) “no Brasil a escola talvez seja o único lugar onde a grande maioria das pessoas tem contato com o livro.”
Partindo desse pressuposto, tem-se a relevância da escola, que não substituirá jamais os pais no que lhes competem, mas auxilia sem restrições os futuros adultos às múltiplas visões acerca do universo que vivem, uma vez que leitura não está ligada apenas a textos, mas também a acontecimentos variados, às diversas mídias existentes e continuamente em expansão, às entrelinhas dos fatos que se sucedem perante os olhos de cada um e que muitas vezes não são realmente aquilo que aparentemente parecem ser.
3 O LEITOR CRÍTICO
Escreve-se para alguém normalmente. Não sendo assim é apenas terapia pessoal ou um passatempo sem maiores implicações ou conseqüências aparentes. E quando é criado um texto, daquele instante em diante aquelas linhas serão do mundo, de todos, e a cada um que lê cabe intrinsecamente a transformação da lógica, do conteúdo, da razão de ser da obra em si. Conhecendo e aprendendo, o indivíduo através da decifração da escrita amplia horizontes consideravelmente, assim como adiciona possibilidades a um texto.
Esse ato descrito acima não é nenhum demérito a um escritor ou jornalista, pelo contrário, é a prova de que tais escritos levaram a discussões e a outras interpretações, enfim, o que se propõe é uma leitura crítica e consciente, nunca passiva.
Na visão de Tufano (198? apud Bortolom et al) “um texto não traz, declarado, o seu sentido; é o leitor, que no diálogo com a linguagem passa a atribuir significados [...]. Nesse sentido crítico, não podemos ler pelos outros [...]; o ato de ler é solitário [...]. Não há leitura autêntica sem a marca do leitor.” O leitor torna-se seletivo, escolhe, decide o que lhe é útil.
O processo de caminho à criticidade inicia-se em casa e é levado adiante na escola (claro, nas escolas que se doam a tal método instigante e essencial ao crescimento intelectual do Ser Humano). No lar têm-se, principalmente, os exemplos dos pais, no cotidiano, em momentos sem maior importância inclusive, pois uma criança que cresce vendo-os sempre entregues à leitura (independentemente do que se está lendo) terá chances maiores de que no seu próprio cotidiano seja formado por toda a vida o hábito de ler.
E ler é ferramenta primordial para que o Ser Humano saiba posicionar-se, ter opiniões próprias, ser crítico, conforme tantos autores já louvaram. Pena que a grande maioria das escolas brasileiras de ensinos fundamental e médio não exerça essa prática com afinco, trilhe o caminho mais fácil, burocrático e desestimulante. O contrário é dispor e usar do recurso que a leitura revela a fim de ter-se armas na luta contra a alienação e a massificação. Isso significa lutar em prol de cidadãos originais e autênticos, que concebam suas próprias linhas de raciocínio, seus próprios pensamentos, que sejam únicos, por mera e simplesmente obra do conhecimento adquirido. E ter tal atitude torna-se então necessidade desses seres que aprendem e buscam, contestam e provam o sabor da independência. Sim, essa talvez seja a palavra-chave: independência.
Comunicação, apreensão, fixação, compreensão, transformação. No momento da leitura o leitor está senhor de si e de suas decisões. Como que em conflito com o texto, o transforma em algo familiar, algo seu. Conforme Silva (198l, p. 45) “ler é [...] um modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo.”
Domínio da linguagem, dos conceitos abstratos, das palavras não usuais, eis um desafio hercúleo para pais e mestres, porém os frutos a colher são os mais saborosos, são aqueles que se degusta com deleite e regozijo, e cidadãos formados em consciência crítica o são frutos especiais, de raro prazer para quem planta sementinhas de saber, rega com carinho e esmero sabendo que aqueles frutos herdarão liberdade plena.
Tomada de consciência que impreterivelmente gera criação, novidades. O leitor parte para a criação, seu próprio texto e segundo Silva (1981, p. 81) “a leitura crítica deve ser caracterizada como um projeto, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro”.
Enfim, ler liberta, impulsiona as possibilidades de conhecimento a níveis inimagináveis, transforma a consciência do Ser Humano perante o mundo em que vive, dota o leitor a ser capaz de abrir inúmeras portas do desconhecido, instiga ao infinito.
4 CONCLUSÃO
Verificou-se a importância do ato de ler desde os primeiros anos da criança, como deve ser a influência dos pais neste processo – decisiva para toda a vida – e de que forma a escola interfere para o bem ou para o mal.
A leitura segue sendo a principal forma de se construir opiniões próprias, de ter-se embasamento necessário para toda e qualquer atividade ou área. E precisa-se ressaltar também a leitura como lazer, um hábito que dá prazer ao Ser Humano.
O acréscimo de conhecimento está intrinsecamente ligado à construção do senso crítico, do modo de se portar perante o mundo, e tal atitude leva à personalidade original de cada um, forte, marcante, única.
Referências
BORTOLOM, M.A. et al. Levantamento das características culturais no hábito de leitura da comunidade acadêmica do Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina. Revista ACB, Florianópolis, v. 3, n. 3, p. 113-123.
FREIRE, P. Ler palavras, ler o mundo. In: GADOTTI, M. (Org.). Paulo Freire: uma bibliografia. São Paulo: Cortez, 1996, p. 453.
SANDRONI, L. C.; MACHADO, L. R. Ler em casa. In:_____. A criança e o livro. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987, p. 18-21.
SANDRONI, L. C.; MACHADO, L. R. A importância da imagem dos livros. In:_____. A criança e o livro. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987, p. 42-43.
SILVA, E. T. da. Ler é, antes de tudo, compreender. In:_____. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. São Paulo: Cortez, 1981, p. 42-45.
SILVA, E. T. da. Leitura crítica – explicitação. In:_____. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. São Paulo: Cortez, 1981, p. 78-81.
SOUZA, M. S. D. de. O interesse pela leitura poderá surgir. A conquista do jovem leitor. Florianópolis: EDUFSC, 1986, p. 39-41.
YUNES, E. A leitura e a formação do leitor: questões culturais e pedagógicas. Rio de Janeiro: Antares, 1984, p. 53.
Transcrito de https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/462/579